Não, o acesso à Universidade não é um direito
Por Filomena Mónica
Há dias, um secretário nacional do PS, Porfírio Dias, escreveu o seguinte no Público (21.1.2019): «O acesso ao ensino superior qualifica-se, portanto, como um direito fundamental». Será que esta gente sabe do que está a falar? Duvido.
Olhando os números recolhidos pela Direcção Geral de Estatística da Educação e Ciência, verifiquei o seguinte: Em cada ano escolar, há 15.000 estudantes que, depois de entrarem no ensino superior, desistem de prosseguir estudos. Em suma, um terço deixa o curso a meio. Se pensam que é no privado que mais alunos conseguem terminar os cursos, enganam-se. A percentagem de abandono escolar das Universidades públicas é de 26%, enquanto nas privadas sobre para 31%. Bonito cenário.
Os actuais políticos estão a aliciar alunos que não têm aptidão ou apetência por este tipo de ensino a nele entrarem, levando-os a que, passados uns meses, venham a engrossar as fileiras dos Nem-Nem (Nem estudam nem trabalham). Esta política deriva da submissão nacional aos desejos da União Europeia, que pretende ter 40% da população, entre os 30 e os 34 anos, com formação superior. A Comissão Europeia está-se nas tintas para a qualidade do ensino. O que lhes interessa é diminuir as taxas de desemprego juvenil e aparecer nas estatísticas internacionais em lugar de topo.
Uma vez que foi ali que trabalhei durante mais de 30 anos, interessa-me sobretudo o que se passa nas Universidades. Desde 1974 que defendo a adopção de um sistema de «numerus clausus», o que me levou logo a ser apodada de «elitista». Claro que estou consciente das vantagens, neste como noutros domínios, de se ter um pai milionário, mas este facto não muda, nem mudará jamais, a minha posição, até porque sei que nalguns dos países mais igualitários da Europa existem sistemas selectivos de entrada para a Universidade. Veja-se o caso da Finlândia, onde apenas um terço dos candidatos consegue entrar numa Faculdade. E, no entanto, é aqui que se verifica um dos níveis mais elevados de mobilidade inter-geracional da Europa. No pólo oposto, temos o caso francês que, claro, os nossos governantes admiram. Acontece que é baseado na falácia de que o acesso ao ensino superior é um direito. Se os meus leitores virem com olhos de ver o que por lá se passa depressa concluirão não ser aquele esquema grande coisa. Aqui fica um conselho: dirijam os seus binóculos mais para norte.
Em Portugal, o actual sistema de ensino superior conduz não só ao desperdício de recursos como ao desespero dos jovens. O que importa é não só a criação de um sistema decente de bolsas de estudo, mas um modo diferente de estas instituições – a quem deveria ser concedida mais autonomia – repensarem a sua função. Cito mais uma vez M. Oakseshott. «O que distingue uma universidade é a maneira especial como se dedica à busca do saber. Trata-se de uma unidade corporativa de intelectuais, cada uma devotado a um ramo especial do conhecimento: o que a distingue é a investigação como um empreendimento cooperativo».
«Expresso» de 2 Fev 19
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1 Comments:
Claríssimo e certeiro.
Apenas acrescentaria um pormenor, ali, no início do 3º parágrafo: «Os actuais políticos estão a aliciar alunos que não têm [a preparação mínima necessária, nem] aptidão ou apetência por este tipo de ensino a nele entrarem,»...
A qualidade de ensino, ao nível básico e secundário, deixa muito a desejar. As «inclusões» e a «flexibilidade curricular» funcionam na realidade como disfarce para a falta de exigência, impedindo a aprendizagem efectiva (agora diz-se «significativa») e dando cabo das possibilidades sobretudo dos filhos dos mais pobres, que não podem pagar explicações [no interior das escolas não se pode falar em «explicações» tem que se dizer (e escrever) «apoio pedagógico»...], de se libertarem da sua condição social.
É uma série de aldrabices, promovida nos diversos níveis hierárquicos, com o fim de arranjar resultados estatisticamente agradáveis.
Seria uma vergonha. Se a tivéssemos.
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