3.5.19

Os malandros dos grevistas

Por Joaquim Letria
Acho muita graça aos comentários dos políticos em particular e dos cidadãos em geral sobre as greves e os grevistas em Portugal. É muito engraçado ver como dum lado e doutro muitas vezes se mente e se esconde a incompetência própria e se reage mal contra os inconvenientes.
Centremo-nos em três greves recentes: a dos camionistas, a dos estivadores e a dos enfermeiros, para não irmos à greve dos professores que o Governo mantém em banho maria até enervar outra vez os estudantes, pôr os pais desnorteados e deixar os professores esgotados na época dos exames, sem necessidade nenhuma.
Todas estas greves patenteiam pouco bom senso, muitas vezes dum lado e do outro, revelando o mau carácter de uns e de outros, mas principalmente mostrando a impreparação de quem se arvora em patrão ou se julga poder público.
O êxito alcançado pela mediação competente e rápida do ministro Pedro Nuno Santos na greve dos camionistas podia ter acontecido muito antes dos incómodos e prejuízos causados por dia e meio de greve se quem encarregou Pedro Nuno Santos da solução da crise tivesse actuado com antecipação.
Talvez agora se convençam de que o Governo deve monitorizar e evitar situações que podem ter consequências graves para o público e estratégicas para a nação e escusava o próprio ministro de vir agora borrar a pintura falando da necessidade de “revisitar” a lei da greve.
As mentiras do Governo contra os enfermeiros foram lamentáveis e vergonhosas. Afinal não morreu ninguém por falta de cirurgias, afinal o crowdfund foi limpo e democrático, como ficou provado, sem ter por detrás tenebrosas organizações, empresas e partidos e mais não foi do que a imitação de financiamentos por fundos sindicais solidários como sucede por todas as partes pelo estrangeiro.
Os enfermeiros têm toda a razão para fazerem greve, como provam os milhares deles a exercerem com toda a dignidade e competência a sua profissão no estrangeiro, entre os melhores e mais bem pagos, com justiça e reconhecimento e sem terem de aturar políticos de meia tigela.
Recordemos a greve dos estivadores. Os políticos só fizeram alguma coisa quando a Volkswagen, com 20 mil carros por exportar, disse que o melhor era pensarem pôr a Auto Europa noutro país. Aí foi um “aqui d’el rei”, um “valha-nos nossa senhora”, mas até lá ninguém previu ou se antecipou mediando uma greve que afinal foi resolúvel em meia dúzia de dias e tinha sido facilmente evitável.
Por fim, temos a recente greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas que em dia e meio a 100% de adesão deixou o país sem combustíveis, aviões a serem desviados a fim de se abastecerem no estrangeiro, forças de segurança apeadas e serviços de emergência sem saberem o que fazer, para além de centenas de milhares  de cidadãos e visitantes com as férias da Páscoa arruinadas Também isto não era previsível?! Não houve sequer um mísero secretário de Estado que pudesse ter pedido licença para falar e avisasse os ministros e primeiro ministro do que vinha lá? Por amor de Deus…
Recordo-me dos anos em que trabalhei com o general Eanes na Presidência da República, quando havia governos de iniciativa presidencial e em que situações como estas – na altura muito mais frequentes e graves — eram previstas, acompanhadas e ajudadas a serem resolvidas a tempo pelos patrões, pelos sindicatos e pelo governo, mediando-se entre as partes sem ingerências nem crises de incompetência como estas a que ultimamente assistimos.
Durante anos vivi em Inglaterra, sob Edward Heath e Harold Wilson, debaixo de conservadores e trabalhistas, e passei por greves que aqui pouca gente consegue sequer imaginar o que foram – a semana dos três dias, a greve do lixo, a greve dos transportes e a greve dos mineiros para não falar de muitas outras. Sempre ali ouvi aos ricos, à classe média e aos pobres uma única crítica às greves: contra aqueles que tendo poder não o utilizavam para evitar o mal da classe operária, o prejuízo da economia e a moléstia dos cidadãos.  
Lá, os grevistas recebiam ajudas dos sindicatos ou de fundos de solidariedade como o das nossas enfermeiras. Contra os grevistas, contra os piquetes de greves que não brincavam em serviço não ouvi nem uma palavra mesmo dos mais conservadores.
A imagem, acima de todas as outras, que conservo das greves no Reino Unido é a de uma senhora de meia-idade, passageira da primeira classe da British Airways, irrepreensivelmente vestida e calçada, subir a escada que fora montada para o porão do avião em que viajáramos e ali procurar – tal como eu e muitos outros -- a sua bagagem para podermos ir para casa, no meio duma greve de trabalhadores de terra dos aeroportos britânicos.
“Inacreditável como esta empresa obriga os seus trabalhadores a chegarem a este ponto. Coitados deles e de nós, entregues a esta gente”. Foram estas as suas palavras para mim, com um sorriso constrangido, quando descortinou as suas malas nas pilhas de bagagem do porão daquele avião. Nunca esquecerei estas palavras nem aquela senhora. A cena e a protagonista voltaram agora a estarem vivas quando assisti ao triste espectáculo dum ministro socialista a falar que “tem de se mexer” na lei da greve.
Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Concordo inteiramente com o sentido do texto.
Mas ficam-me dúvidas sobre o quantitativo que os enfermeiros arranjaram. Parece que ainda há umas centenas de milhares de euros sobrantes. Num país como o nosso, não é fartura a mais?
Sobre a qualidade dos nossos enfermeiros não haja dúvida. Em 2009 fui internado duas vezes, para cirurgias delicadas, e fiquei impressionado com a qualidade, competência e... juventude do pessoal de enfermagem. Não foi para mim espanto nenhum o sucesso que os nossos enfermeiros têm tido no estrangeiro, e não só em Inglaterra.

3 de maio de 2019 às 22:06  

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