9.8.19

A chocante devolução de crianças

Por Joaquim Letria
Nos últimos três anos 53 crianças e adolescentes foram devolvidos pelos pais adoptivos, o que mostra bem o amor e carinho que existiriam naqueles lares. Devolveram crianças como se fossem objectos ou electrodomésticos usados num período experimental. E a legislação permite e as instituições recolhem-nas para poderem fazer novas ofertas e satisfazerem a procura sem atender ao equilíbrio emocional de quem gostaria de ter uma família.
Por outro lado é famoso aquele caso recente, que terminou com 24 anos de prisão para uma rapariga que matou a mãe adoptiva à martelada, com a ajuda do noivo que a auxiliou também na tentativa da queima do corpo da pobre senhora que era professora na margem sul do Tejo e que tratava ambos como se seus filhos fossem.
De maneiras diferentes se pode avaliar com este caso, por um lado, e com as devoluções, por outro, o grau dos afectos da nossa sociedade cada vez mais fustigada por violentos crimes passionais e por uma imparável violência doméstica que reflectem a educação que estas gerações receberam e que se exterioriza das piores maneiras.
Tenho dois amigos que adoptaram crianças. Num caso, uma menina com nove anos, no outro um bebé que foi tardia e finalmente libertado pelo sistema de justiça. Posso dizer que ambos foram casos de sucesso, ainda que num deles com problemas que não seriam maiores do que aqueles que filhos biológicos causariam. Mas as questões foram resolvidas e nunca passou pelas cabeças daqueles dois casais a ideia de devolver à procedência os jovens que no momento da adopção tanta alegria e amor lhes deram, acabando com dramas de infertilidade.
Creio que aquilo que complica ainda mais estas situações são as leis existentes, a incompetência das instituições sociais de acolhimento e a falta de preparação dos pais adoptivos, ainda que estes últimos sejam escrutinados por quem de direito com um enganoso rigor.
Alguma coisa mais se deveria fazer no âmbito da legislação que rege a vida dos menores e no acompanhamento social de instituições e famílias de acolhimento para que esta situação não fosse possível existir no nosso País onde também os critérios para regular as regras parentais têm uma largueza que por vezes conduz ao erro.
O universo das crianças que vivem no anseio de poderem ser adoptadas e de outras magoadas por serem devolvidas à procedência e ainda aquelas sem esperança por serem erradamente extraídas das suas famílias, por funcionários insensíveis, deveria motivar uma reflexão que também envolvesse organizações de protecção das crianças que muitas vezes têm dificuldades burocráticas para fazerem aquilo a que se propõem e que fica por aproveitar em benefício de todos nós.
Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Concordo. Hoje não se educa. Os pais têm medo de educar. E quando não têm, em muitos casos, também não educam bem porque não foram educados. É um problema...
A piorar há a ideia, muito comum, de que é à escola que compete educar, e os pais serão os primeiros a delegar as competências.
Só que a educação vem do berço e é contínua. E os milagres só existem quando alguém trabalha muito e muito tempo para que aconteçam. Ora, hoje é tudo à pressa...

10 de agosto de 2019 às 19:53  

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