O NEGÓCIO DA LÍNGUA
Por Ana Cristina Pereira Leonardo
Escrevo poucas horas antes de ter início no Brasil uma discussão sobre a eventual revogação do Acordo Ortográfico de 1990.
O debate terá lugar na Comissão de Educação da Câmara de Deputados e resulta de um requerimento do deputado de centro-direita Jaziel Pereira (Partido da República), subscrito por Paula Belmonte do Partido Cidadania, antigo Partido Popular Socialista e, antes disso, Partido Comunista Brasileiro. A justificação foi que “o acordo para unificação ortográfica da língua portuguesa nos países lusófonos não alcançou a eficácia esperada”.
Antes que alguém se lembre de colar a oposição ao AO às forças de Darth Vader e ao mais serôdio obscurantismo – afinal, Bolsonaro também disse qualquer coisa contra – recordem-se as palavras do insuspeito Paulo Franchetti em 2012, dirigia então o crítico e professor de literatura a Editora da Unicamp, órgão da Universidade Estadual de Campinas.
Dizia ele: “O acordo ortográfico é um aleijão. Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado.”
Mais à frente: “O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de eficácia duvidosa. (…) Nem mesmo agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos. E se os livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem”.
Pegando o boi pelos cornos, acrescentou: “Mas o acordo interessa, é claro, a gente poderosa. (…) No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos. Se cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaiss, por exemplo, adquirir um novo (…), não há dúvida que haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaiss – Antônio Houassis, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior negociador do acordo. O mesmo vale para os autores de gramáticas e livros didáticos”.
Por cá, silêncio sobre a negociata. Os ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Cultura e da Educação nem se dignaram responder ao grupo de trabalho da Assembleia da República que avaliou (sem conclusões oficiais) o impacto da aplicação do AO.
Parafraseando Camus: quando todos formos analfabetos, será a democracia.
"Expresso" de 7 Set 19
"Expresso" de 7 Set 19
Etiquetas: ACPL
3 Comments:
Ora, isto é que é falar.
Obrigado à autora.
Depois de tantas e fundamentadas críticas, aqui nos mantemos,silenciosamente,e a persistir no erro...
Acordo ortográfico um grande bosta. Alguém ganhou com a emenda.
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