12.11.20

A liberdade de expressão e a democracia_2

 Por C. B. Esperança

A minha liberdade não acaba onde começa a arbitrariedade dos outros nem a dos outros termina onde começam as minhas idiossincrasias.

A liberdade de expressão tem de estar muito além do que cada um de nós deseja aceitar aos outros. Não faria qualquer sentido que pudéssemos impedir o que nos incomoda ou ofende e que a lei consagrasse o direito de não sermos irritados ou ofendidos.

Todos as correntes filosóficas, religiões, tradições e crenças podem, e devem, ser objeto de crítica, refutadas, aplaudidas ou troçadas. Quem conheça a evolução dos costumes sabe quão perigoso seria condescender com as tradições, crenças e hábitos que passaram de geração em geração.

Desde a antropofagia, escravatura, tribalismo e pedofilia, até ao advento da civilização, foi longo e penoso o caminho percorrido. A moral é a ciência dos costumes e podemos dizer que a moral da civilização é incomparavelmente superior à das tribos patriarcais.

Do criacionismo à ciência, há um longo caminho andado, com vítimas, cheias de razão, imoladas por algozes vazios de conhecimentos.

Urge distinguir o legítimo combate às crenças do inaceitável ataque aos crentes. Quem não distingue o combate de ideias do respeito obrigatório à pessoa humana, mingua-lhe o entendimento para compreender o que é a tolerância e a liberdade de expressão.

Em 13 de maio de 2008 a Igreja católica organizou a tradicional maratona pia a Fátima, designada por peregrinação, sob o lema “contra o ateísmo”. Embora pudesse evitar esse carácter belicista com uma designação mais suave, não lhe minguou legitimidade. O que não seria tolerável era uma ‘peregrinação’ contra os ateus. 

No caso em referência, combatia-se através do terço, das velas, missas e procissões uma filosofia. Indefensável seria a perseguição aos ateus, coisa que as orações, aspersões de água benta, queima de incenso e sinais cabalísticos, aliviando a consciência dos crentes, não os lesou.

Há pessoas muito sensíveis e incapazes de fazerem a catarse da violência que herdaram. Não pode ser o Código Penal dos países civilizados a alimentar a capacidade de desforra e a satisfação do ódio à diferença.

As tradições, religiosas ou laicas, são o alfobre onde germina a identidade comunitarista e a fogueira onde se incineram as aspirações cosmopolitas e a convivência multicultural. 

O Estado deve ser neutro para garantir o direito à diversidade e impedir a tribalização de minorias que se tornem violentas e perigosas para a civilização. Só existe democracia se forem assegurados os direitos das minorias e imposto o respeito destas.

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