Espanha – A débil transição democrática e a frágil sustentação
Por C. B. Esperança
A Revolução do 25 de Abril, em Portugal, deixou atónitos os numerosos fiéis do maior genocida ibérico de todos os tempos. Soaram campainhas de alarme no país vizinho e, entre a aventura da invasão de Portugal e o medo de uma Revolução onde o sangue tem tradições, os liberais da ditadura espanhola, logo que o facínora se finou, começaram a tecer a difícil e incerta transição para a democracia.
Adolfo Suárez foi o artífice da complexa teia de compromissos, a quem a Espanha deve a Constituição democrática sem derramamento de sangue, que a memória dos familiares das vítimas da Guerra Civil, de ambos os lados, ainda temia.
Foi em ambiente de medo e ansiedade, com a coragem e sagacidade de um conservador espanhol, que nasceu a Constituição, com a monarquia que o ditador impôs e os postos-chave da administração pública, Tribunais, autarquias, Forças Armadas e de Segurança, nas mãos de empedernidos falangistas, com a Igreja católica a permanecer franquista.
A adesão à União Europeia consolidou a democracia. A alternância partidária tem sido possível, apesar de tentativas golpistas e do clima de medo que as Forças Armadas e de Segurança e a Igreja católica, cúmplices dos crimes franquistas, se têm encarregado de prolongar.
A manutenção das estruturas fascistas permitiu o ambiente conspirativo das instituições que foram cúmplices ativas do genocídio franquista e das que o defenderam.
As conspirações contra a democracia, nomeadamente contra o pluralismo partidário e a liberdade de imprensa, nunca cessaram, mas a dimensão e perigosidade do que se soube nos últimos dias ultrapassou tudo o que era previsível num país da UE.
Militares na reforma discutiram golpe de Estado e fuzilamento de milhões de espanhóis no WhatsApp tendo o apoio do partido fascista VOX, o que obrigou o chefe do Estado-Maior a garantir lealdade à Constituição, como se essa lealdade não fosse condição sine qua non para o cargo. O jornal digital Info Libre publicou várias conversas do chat que juntava os membros do XIX Curso da Academia Geral da Força Aérea onde decidiram escrever ao rei para criticar as relações entre o Governo e os partidos independentistas catalães e bascos, como se a condução da política, num Estado de direito democrático, pudesse ser ameaçada pelos humores e rancores dos oficiais aviadores.
A ministra da Defesa remeteu para o Ministério Público mensagens e Áudio do líder do Vox a demonstrar apoio, que circulou no grupo, e que também escreveu ao rei Felipe VI.
O risco de um grupo de militares, ainda que na reserva, a discutirem planos de um golpe de Estado em Espanha, com a apologia da ditadura franquista e a defesa do fuzilamento de “26 milhões” de pessoas é de uma gravidade extrema.
Os militares da reserva mostraram as garras que os do ativo ainda têm provisoriamente recolhidas. A democracia corre perigo e o silêncio que rapidamente se fez, abafado pela pandemia e pelas angústias e incertezas que esta provoca, não pode ignorar o barril de pólvora do ativismo franquista à procura de lume para o rastilho.
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