17.12.20

Natal – deem uma oportunidade à vida

C. B. Esperança

Todos sabemos como a data que celebrava o nascimento anual do Deus Sol no solstício de inverno foi apropriada pela Igreja católica no séc. III para converter os povos pagãos do Império Romano, e passou a comemorar o nascimento de Jesus, o Cristo.

Independentemente do que representa para o imaginário cristão, é a festa da família que anualmente repete uma das melhores tradições familiares e nos remete para as afetuosas recordações de infância, quando três ou quatro gerações se reuniam à mesa da consoada.

Não havia, então, nas aldeias portuguesas, eletricidade, água canalizada ou saneamento, faltavam as luzes que piscam, os presentes caros e os embrulhos reluzentes, mas havia o Presépio da escola primária e da igreja onde os musgos seguravam esmeradas figuras de barro, saídas de olarias rudimentares, que gerações de artesãos anónimos moldavam e pintavam com desvelo e arte.  

Com ou sem presépio, este substituído pela árvore de Natal, como o Menino Jesus pelo Pai Natal, também de proveniência exógena, a data mantém a forte carga simbólica que prende os laços familiares e os afetos que a vida moderna torna cada vez mais frágeis.

O Governo, sabendo dos sentimentos da população, transigiu em tempos de pandemia, e corre-se o risco de esquecer as preocupações sanitárias e de, na excitação das saudades matadas, não resistir aos braços que nos abraçam e aos beijos de que andamos carentes.  

A autorização do Governo não é um convite ao abrandamento das normas sanitárias que nos remetem ao confinamento e à privação do contacto físico com os entes queridos, é a cedência a quem prefere o risco de festejar o último Natal para se encontrar em janeiro no primeiro funeral, de quem troca a alegria breve da celebração da vida pelo perigo de uma perda irreparável e da pungente dor da perpétua ausência de quem ama, que teve no ágape familiar o derradeiro encontro e a causa de ser o último.  

Se pudesse persuadir alguém, dir-lhe-ia para reprimir a saudade e conter a ansiedade e as lágrimas, para evitar ao sistema de saúde a rutura e aos seus profissionais a exaustão.

A pandemia não faz pontes, não vai de férias, não dá tréguas e, manda a prudência que as normas sanitárias, com ou sem coerção, sejam cumpridas, sobretudo neste Natal.

Deem uma oportunidade a vida.

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