AS ANTIGAS REDES SOCIAIS
Por Joaquim Letria
Lisboa tem nomes de ruas que não lembra ao careca, como dizia um professor meu. Outras tem nomes muito sonantes que podemos julgar tratarem-se de gente importante, que foi útil à cidade, ao País ou mesmo à humanidade. Mas isso de ter o nome numa rua pode ser um problema. Principalmente quando alguém diz (e há muita gente que o faz):
-- Oh pá, quem era este gajo?
Quando não o tratam por um substantivo pior, dando-se ainda o caso de ninguém saber quem era.
Porém, houve ruas e vielas com nomes bonitos que os toponímicos das sucessivas gerações e vereadores de outras tantas vereações acabaram por extinguir sem justificação nem darem satisfações a ninguém. Um caso exemplar do que estou a dizer era a Rua das Palavras, que descia junto ao Pátio das Damas Castelhanas do Palácio da Ajuda e ia por aí abaixo até junto daquilo que hoje é um hospital militar.
Ao contrário das outras que têm placa mas não sabemos de quem são, a Rua das Palavras nunca teve placa nem nome escrito. Era uma espécie de menina filha de pai incógnito… mas o povo assim lhe chhamava e alguns velhos explicaram-me que se chamava assim porque era ali que as pessoas se juntavam para conversarem, de assuntos sérios a histórias ligeiras e divertidas sem se esquecerem de muito mal dizer e de algumas intrigas.
Assim como acabaram com a Rua das Palavras, também mais tarde a disseminação de agências bancárias por toda a Lisboa exterminou muitos cafés e bares que eram centros de encontro, de tertúlias, de convívio onde se dizia bem ou mal, se trocava informações, se criavam grupos políticos, se discutia cultura e onde nasciam sérias correntes artísticas e filosóficas, além de servirem de escritório para onde era possível pedir para chamar alguém ao telefone ou de onde se podia fazer uma chamada.
No fundo, a Rua das Palavras e os bares e cafés desaparecidos eram as nossas redes sociais daquelas épocas. A polícia política escutava e vigiava uns e outros mas também todos sabíamos e precavínhamo-nos. Hoje é muito diferente. Mas talvez não tenha a mesma piada.
Publicado no "Minho Digital"
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