Artigo de opinião – Enviado ao jornal Público e, naturalmente, não publicado
Por C. B. Esperança
O Acordo Ortográfico de 1990 (AO-90) e a incurável azia
Quem conhece a grande alteração e uniformização da língua portuguesa, efetuada pela Reforma Ortográfica de 1911, não devia solidarizar-se com manifestações de raiva que a perda de algumas consoantes mudas e tímidas alterações provocaram numa sociedade avessa à mudança, independentemente da validade dos argumentos.
O misoneísmo, palavra cunhada pelo psicologista italiano César Lombroso, esse horror à novidade, está bem entranhado nos portugueses.
A Reforma Ortográfica de 1911, a primeira iniciativa de normalização e simplificação da escrita da língua portuguesa, foi profunda, numa altura em que o Brasil facilmente a aceitou e as colónias não participavam.
Tenho enorme consideração por muitos dos que não toleram as pequenas alterações que o AO-90 introduziu, sobretudo quando se trata de cultores da língua, de prosa imaculada na sintaxe e na ortografia que mantêm, mas vejo neles a exaltação de Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoais cuja ortografia que estes defenderam repudiariam agora.
A ortografia é uma convenção imposta por lei sem sanções penais, salvo para os alunos, que se arriscam a reprovar se não escreverem como está oficialmente determinado.
Aos autores da Reforma Ortográfica de 1911, que hoje já ninguém contesta, coube-lhes pôr fim à anarquia ortográfica do país, com 80% de analfabetismo, quando os países do norte da Europa tinham entre 2% e 10%, e normalizar a ortografia. Eminentes filólogos discutiram se deviam seguir o modelo francês, fortemente dependente da etimologia, ou o espanhol e italiano, que seguiam de perto a oralidade.
Optaram por revogar falsas etimologias e, condescendendo com a origem das palavras, deram preferência à oralidade, caminho que embora tímido esteve presente no AO-90.
Há muito que as palavras homógrafas não são necessariamente homófonas, mas duvido que os críticos mais cultos tenham dificuldade em distinguir a fonia das que perderam os acentos e cujos exemplos caricaturais não passam disso mesmo.
Lamentável é ver as redes sociais, até jornais, com inúmeros detratores do AO-90, que explodem de raiva na mais boçal prevaricação ortográfica e ignorância de elementares conhecimentos básicos do idioma cuja ‘nova’ ortografia condenam sem respeitarem a anterior, não sendo este o caso do Público.
Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é um apelo à anarquia ortográfica e à instabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.
Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem. O Público não pode continuar a ser o arauto da insurreição ortográfica contra a norma legal que há 12 anos vigora em Portugal e Brasil e observada por autores como José E. Agualusa e Mia Couto, respetivamente de Angola e Moçambique.
Não é seguramente o facto de o tratado internacional ter sido firmado em 1990 pelo PM Cavaco Silva e promulgado em 2008 por Cavaco Silva (PR) que motiva a obstinação do Público na insurreição ortográfica contra o AO-90, e não se percebe a deliberada teimosia na prevaricação ortográfica.
Não me obriguem a esconder o Público aos netos. Não quero agravar as suas hesitações ortográficas.
Coimbra, 18 de setembro de 2021
Etiquetas: CBE
2 Comments:
Discordo. Sou demasiado velho para mudar, embora não escreva pharmácia, que não aprendi.
500:
Discordar é um direito que lhe assiste e que eu defendo, mas não poderia aceitar que, se fosse professor, o não cumprisse.
Com os meus 78 anos quase esgotados, lembrado dos tempos em que fui docente, procuro não prevaricar na grafia que me foi imposta.
Obrigado pelo comentário.
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