23.9.21

Artigo de opinião – Enviado ao jornal Público e, naturalmente, não publicado

 Por C. B. Esperança

O Acordo Ortográfico de 1990 (AO-90) e a incurável azia

Quem conhece a grande alteração e uniformização da língua portuguesa, efetuada pela Reforma Ortográfica de 1911, não devia solidarizar-se com manifestações de raiva que a perda de algumas consoantes mudas e tímidas alterações provocaram numa sociedade avessa à mudança, independentemente da validade dos argumentos.

O misoneísmo, palavra cunhada pelo psicologista italiano César Lombroso, esse horror à novidade, está bem entranhado nos portugueses.

A Reforma Ortográfica de 1911, a primeira iniciativa de normalização e simplificação da escrita da língua portuguesa, foi profunda, numa altura em que o Brasil facilmente a aceitou e as colónias não participavam.

Tenho enorme consideração por muitos dos que não toleram as pequenas alterações que o AO-90 introduziu, sobretudo quando se trata de cultores da língua, de prosa imaculada na sintaxe e na ortografia que mantêm, mas vejo neles a exaltação de Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoais cuja ortografia que estes defenderam repudiariam agora.

A ortografia é uma convenção imposta por lei sem sanções penais, salvo para os alunos, que se arriscam a reprovar se não escreverem como está oficialmente determinado.

Aos autores da Reforma Ortográfica de 1911, que hoje já ninguém contesta, coube-lhes pôr fim à anarquia ortográfica do país, com 80% de analfabetismo, quando os países do norte da Europa tinham entre 2% e 10%, e normalizar a ortografia. Eminentes filólogos discutiram se deviam seguir o modelo francês, fortemente dependente da etimologia, ou o espanhol e italiano, que seguiam de perto a oralidade.

Optaram por revogar falsas etimologias e, condescendendo com a origem das palavras, deram preferência à oralidade, caminho que embora tímido esteve presente no AO-90.

Há muito que as palavras homógrafas não são necessariamente homófonas, mas duvido que os críticos mais cultos tenham dificuldade em distinguir a fonia das que perderam os acentos e cujos exemplos caricaturais não passam disso mesmo.

Lamentável é ver as redes sociais, até jornais, com inúmeros detratores do AO-90, que explodem de raiva na mais boçal prevaricação ortográfica e ignorância de elementares conhecimentos básicos do idioma cuja ‘nova’ ortografia condenam sem respeitarem a anterior, não sendo este o caso do Público.

Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é um apelo à anarquia ortográfica e à instabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.

Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem. O Público não pode continuar a ser o arauto da insurreição ortográfica contra a norma legal que há 12 anos vigora em Portugal e Brasil e observada por autores como José E. Agualusa e Mia Couto, respetivamente de Angola e Moçambique. 

Não é seguramente o facto de o tratado internacional ter sido firmado em 1990 pelo PM Cavaco Silva e promulgado em 2008 por Cavaco Silva (PR) que motiva a obstinação do Público na insurreição ortográfica contra o AO-90, e não se percebe a deliberada teimosia na prevaricação ortográfica.    

Não me obriguem a esconder o Público aos netos. Não quero agravar as suas hesitações ortográficas.

Coimbra, 18 de setembro de 2021

Ponte Europa Sorumbático


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2 Comments:

Blogger 500 said...

Discordo. Sou demasiado velho para mudar, embora não escreva pharmácia, que não aprendi.

23 de setembro de 2021 às 18:00  
Blogger Carlos Esperança said...

500:

Discordar é um direito que lhe assiste e que eu defendo, mas não poderia aceitar que, se fosse professor, o não cumprisse.

Com os meus 78 anos quase esgotados, lembrado dos tempos em que fui docente, procuro não prevaricar na grafia que me foi imposta.

Obrigado pelo comentário.

23 de setembro de 2021 às 23:26  

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