19.7.22

No “Correio de Lagos” de Junho de 2022

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DESDE que os meus netos começaram a frequentar a escola, que eu passei a usufruir de um pequeno ‘prazer de avô’, que consiste em os levar de manhã cedo, pela mão, num trajecto vagaroso que, seguindo pela Rua da Gafaria fora, corre ao lado do Parque da Cidade. E estava tudo muito bem até que a autarquia se lembrou de passar a regar generosamente a erva que por lá cresce, ligando todas as manhãs uma verdadeira orquestra de aspersores, “quer chova, quer faça sol” — expressão que deve ser entendida no seu sentido literal, como passo a explicar:


QUEM costuma ler este jornal (e frequenta as redes sociais da nossa cidade), talvez se lembre de umas quantas imagens, de Setembro do ano passado, mostrando uma outra zona desse mesmo parque a ser encharcada com água de rega... atirada para as placas de betão, as escadarias e os passadiços, mais ainda do que para a erva. Mas isso, de tão frequente que sempre foi, nem seria notícia se, dessa vez, não estivesse a CHOVER, como se podia confirmar pelas pessoas que se viam, nas imagens, de guarda-chuva aberto — não para se protegerem da água dos aspersores, mas sim daquela com que S. Pedro, nesse dia, brindava os lacobrigenses.

Pois bem, guardei as fotos e os vídeos numa velha pasta que tem o nome de “regas absurdas”, tentei fazê-los chegar ao meu estimado colega Matos Fernandes (à época Ministro do Ambiente, que se batia pela dessalinização no Algarve...), e não pensei mais nisso.
Entretanto, com o decorrer do tempo, Portugal começou a registar cada vez mais zonas em situação de SECA SEVERA E EXTREMA, com particular destaque para o Barlavento Algarvio e para a nossa “Barragem da Bravura”, tendo nesse mês de Setembro sido notícia, com laivos de alarme, o facto de ela estar apenas a 20% da sua capacidade. 

Depois disso, e como se pode ver pelos mapas e gráficos divulgados regularmente pelo Serviço Nacional de Informação de Recursos Hídricos, esse valor continuou a baixar, sendo que, no mês passado, a respectiva bacia hidrográfica já ia em 14,6%, [entretanto, já desceu abaixo de 13%] de longe a pior de todas as monitoradas.

 

E ESTÁVAMOS nisso quando, na manhã do passado 31 de Maio, pude assistir novamente a uma dessas regas à chuva... com boa parte da água a escorrer para os passadiços de betão, para a calçada e para o alcatrão, onde, juntando-se à outra que estava a cair do céu, seguia para as sarjetas, diligentemente a caminho do mar.

Mas, e como é sempre possível fazer pior, pude constatar que, no dia seguinte, e apesar de ter chovido de noite, os rodopiantes aspersores lá estavam a trabalhar, madrugadores e infatigáveis, molhando e encharcando o que já estava molhado e encharcado... altura em que eu decidi passar a levar os meus netos por outro caminho, para me furtar à pergunta que a qualquer momento me poderiam colocar: «Ó avô, é a isto que se chama ‘chover no molhado’?» — apesar de eu já ter a resposta preparada: «Não, meus queridos, isto é ‘molhar o chovido’».

 

NOTA FINAL: Quando, em tempos, divulguei no Facebook a foto que mostra os presidentes do Turcomesnistão e da Bielorrússia a fazerem uma “dessas regas inteligentes”, houve uma senhora brasileira que escreveu que “isso é mesmo coisa de português!” — um comentário habitual no Brasil quando se trata de idiotas, mas que, neste caso, é um pouco injusto — pois, como vimos, o que não falta por cá são portugueses capazes de fazerem isso... e muito, muito mais!

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No “Correio de Lagos” de Junho de 2022

 

 

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