16.9.22

Tão frios como os meninos dizimados

Por Joaquim Letria

Mais de 40 mil crianças trabalham em Portugal para sobreviverem ou ajudarem a família.

São números que ninguém consegue disfarçar. Querem estes números dizer que se tivessem fins de semana e se pudessem organizar-se, estas crianças portuguesas encheriam o Estádio José de Alvalade.

Notícias que entretanto nos chegam de África também nos dão conta de milhares e milhares de outras crianças dizimadas pela fome, pela doença, pela guerra e abusadas para renderem com os seus miseráveis corpos descartáveis os lucros confortáveis de quem as explora na venda, no transporte e distribuição metódica da venda de drogas, corpos e armas.

Tudo isto faz parte do preço inaceitável de sobrevivência. Acabam por ser pagamentos por conta do abate puro, simples e eficaz de quem é capaz de, sistematicamente, exterminar crianças que, de outra forma, seriam uma praga que, de outro modo, não só não daria lucro como criaria despesa e ainda teria de ser alimentada.

Persistem em nos garantir que a criança que existe dentro de nós não morrerá nunca. Talvez assim seja. Mas com o passar dos anos, essas crianças ficarão cada vez mais frias, tão frias e tão duras como os adultos cujas almas habitam, tão mortas, afinal de contas, como os meninos da rua dizimados por quem os explora antes de os abater.

Publicado no Minho Digital

 

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