30.1.23

Nos ramos do castanheiro - *Uma questão de mero vestuário

Por Antunes Ferreira

Castiço. Natural de Presandães, uma aldeola do distrito de Vila Real em Trás-os-Montes, Eugénio Brito dos Santos, tenente-coronel da GNR vivia em Mirandela onde comandava o quartel da Guarda. Com os seus 59 anos, viúvo havia dezoito, tinha como companheira Amélia Pereira Ramalho, secretária do notário Amâncio Mascarenhas, mais nova do que ele, fazia 42 em Novembro. Eram felizes.

Do casamento tinham resultado dois filhos ambos bem assentes na vida: Elsa, a primogénita, medica de família ali mesmo na cidade e Eurico designer no atelier do arquitecto Mendes Simões. Davam-se bem com a “madrasta”. Entre o quartel e  o apartamento que tinha comprado (um T4) ainda a mulher era viva, Eugénio e Amélia levavam uns dias tranquilos sem grandes invencionices muito menos extravagâncias, 

Contudo, todos os anos abria-se um excepção: passar o Entrudo (Carnaval era para as cidades) na aldeia natal do militar. Adorava aquilo. Comprazia-se sobretudo com a algazarra e a alegria daqueles seus conterrâneos em especial com as momices, os saltos, as trapalhadas dos Caretos de Podence e dos seus gaiatos, os Facanitos, todos envergando trajes coloridos, garridos, com máscaras e chocalhos.

Não era despicienda a questão dos cumprimentos sinceros, amáveis, gentis, que lhe eram endereçados porque era conhecido e quiçá a figura mais sonante oriunda da terra. A todos respondia com a mesma afabilidade; mereciam que assim fosse – por que bulas não haveria de proceder assim? Entre eles avultavam dois ex-soldados seus: o Tavares e o Valério.

Fora no Exército – donde transitara para a Guarda – que o conhecera. Os dois já eram cabos RD, o que quer dizer Readmitidos, tinham “metido o chico” pois queriam continuar nas fileiras. Logo, já andavam na casa dos sessentas, ou mais. Numa segunda-feira, na ressaca do domingo gordo, o Valério, junto dum grupo animado dirigiu-se-lhe:

“Meu alferes (desculpe-me trata-lo assim, mas para mim será sempre o comandante do nosso pelotão, queria fazer-lhe uma pergunta com rasteira. Posso?”  Nunes dos Santos pasmou. Então não queriam lá ver? Rasteira? A ele, tenente-coronel da Guarda Nacional Republicana? “Tás a gozar ou tás a gozar-me Valério?”

Este quase batia a pala só que em vez do bivaque usava uma boina preta. “Nem pensar, meu alferes, nem pensar. Nunca poderia fazê-lo consigo, palavra!” Eugénio, sorrindo:  “Então, não é tarde nem é cedo. À vontade. Podes avançar, estou preparado.” À volta os assistentes, conhecedores da marosca trocavam sorrisinhos soezes e soavam em surdina pequenas risadas manhosas,  

“Qual é a diferença entre um sexagenário e um septuagenário?” O tenente-coronel vidrou. Com que então era isso? Caíra na esparrela? Resposta fácil? Havia ali gato escondido com o rabo de fora! “Claro que sei; mas penso que há truque. Portanto, por favor, tens de me dizer o que se passa.”

Assumindo ar doutoral, Valério explicou: “Um sexagenário ainda se tenta; o septuagenário só se senta…” Agora sim, agora surdiram as gargalhadas, explodiu a galhofa. Eugénio, um tanto ruborizado (já não lho acontecia desde a escola primária, pensava) propôs uma solução para o impasse um tanto vergonhoso.

A baiuca do Josué. Era um tasco infame mas tinha uma medronheira de se lhe tirar o chapéu. Foram. Umas lascas de presunto dum suíno caseiro e umas rodelas de botelo mailas azeitonas temperadas à maneira serviram de lastro à tão falada medronheira de tal jeito que o Eugénio comprou duas garrafas para levar com ele.

Nestes preparos saltou à liça o Felismino cunhado e ajudante temporário do patrão. Queria contar um estória antiga que tinha a sua piada. Pois que contasse. O gabiru já estava co um grãozinho na asa, nada que o impedisse de palrar. E disse. Que havia sido um bisavô dele, o ti Tadeu adepto do ditado quem conta um conto acrescenta um ponto que narrara o episódio que, depois, d boca em boca, chegara até ele Felismino.

Era Julho, férias grandes. Dois irmãos, o Carlinhos e o Tonecas, onze e doze anos, oriundos duma família grande (sete filhos) pobre mas honesta, fartos dos berlindes e dos piões resolveram ir à fruta. E assim fizeram. À saída da aldeia o doutor Madeira tinha uma quinta onde havia cerejeiras, pereiras, macieiras, nogueiras e castanheiros.

Ora os manos pelavam-se pelas castanhas: cozidas, piladas e principalmente assadas eram um manancial de prazer gustativo. Mesmo cruas, tiradas da árvore… Trepar o muro da propriedade e saltar para os ramo castanhais foram brinquedo de criança e ei-los a abrir os ouriços e  comer desenfreadamente. 

Nisto o Tonecas fez alto ao manjar e disse para o irmão: “Ó Carlinhos eu até agora comi mais castanhas do ca tu!” E o mano encarrapitado num ramo mais alto: “Não senhor. Quem comeu mais fui eu!!  Carlinhos não se ficou: “Essa agora! Eu cá comi-as com a camisa!” E o Tonecas, superior: “Boa vai ela. E eu comi-as com o casaco!!!!!”

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