«Acontece...» - Tempo de milhões e “tolerâncias zero”
Crónica de Carlos Pinto Coelho
A bem ou a mal, a mel ou a chicote, os media que curvem a espinha e obedeçam aos ditames dos poderes. Estes os avisos que chegaram, esta semana, da Galiza e dos Estados Unidos da América. As paradas vão altas, que se precavenham os incautos, os ingénuos... e os herois, se os houver.
A Xunta da Galiza destinou dois milhões de euros para pagar notícias favoráveis à actividade do governo autónomo e do seu presidente. Segundo o “El Pais”, um acordo celebrado em Abril com a maioria dos meios de comunicação galegos previa pagamentos que iam dos 18.000 euros para algumas rádios a 420.000 para “La Voz de Galicia”, o diário de maior difusão na comunidade. Por via das dúvidas o Governo resolveu suspender esse acordo enquanto dura a actual campanha eleitoral, mas o “El Pais” garante que isso não foi comunicado aos directores de vários dos media abrangidos.
Nos Estados Unidos a onda é a mesma, mas por via do safanão. Na semana passada, o gigante financeiro Morgan Stanley anunciou a sua nova política de publicidade para a imprensa: a publicação de algum artigo considerado “negativo” para a empresa provocará a suspensão imediata de todas as campanhas publicitárias previstas para esse jornal. “No caso de estar a ser preparada alguma peça jornalística controversa, a agência (de publicidade) deve ser avisada porque poderão tornar-se necessárias alterações de última hora. Se o tema surgir fora do horário normal de serviço e se não puder ser resolvido por telefonema, cancelem-se imediatamente todos os anúncios da Morgan Stanley por um mínimo de 48 horas”, diz a nova adenda aos contratos de publicidade da empresa.
Seis dias depois, no dia 24 de manhã, a agência de publicidade que trabalha para o gigante petrolífero BP veio também exibir a sua palmatória do “ad-pull” (retirar anúncio) e anunciou “tolerância zero” para qualquer peça jornalística, publicada sem conhecimento prévio da empresa, “onde se faça alusão directa à BP, a qualquer concorrente ou à indústria petrolífera em geral”. Isto abrange textos e ilustrações. A directiva, intitulada “2005 BP Corporate-RFP”, ameaça com as mesmas retaliações: suspensão imediata de qualquer anúncio contratado com o jornal prevaricador. Assim mesmo. Um porta-voz da agência, a MindShare, recusou-se a comentar, dizendo tratar-se de “um assunto do cliente”.
Ou seja: ou publicas o que eu quero, ou ficas sem dinheiro. É tempo de domesticar o jornalismo. Na Galiza, pagando-lhe textos. Nos Estados Unidos, cortando-lhe receitas. Na Galiza, fala grosso o poder político. Nos Estados Unidos, o poder económico. Em ambas as situações, os pontos de apoio dos ditadores são a fragilidade financeira das empresas mediáticas, a precaridade das carreiras jornalísticas e consequentes vulnerabilidades e – acrescento – uma razoável confiança na impassibilidade das opiniões públicas. Que movimentos de indignação se poderão esperar, nos dias que correm, repudiando a violência ética destas práticas? E a perda de credibilidade dos jornais que se deixem corromper, merecerá ela castigo por parte dos seus consumidores? Por muito que doa, é altamente improvável.
Antes de escrever esta crónica, fiz o meu trabalho: falei para a BP portuguesa. Queria saber se a “tolerância zero” também ia chegar a Portugal e à sua imprensa. Foi-me respondido que não, que a “2005 BP Corporate-RFP” não fora recebida em Lisboa. Mas acrescentaram que a directiva não devia ser entendida como um braço de ferro à liberdade de imprensa, mas antes como uma forma de evitar a publicação de páginas de publicidade da BP numa edição de jornal ou revista onde se contivessem matérias controversas para a vida da empresa. E citaram como exemplo a explosão que matou 15 pessoas e feriu uma centena, em 23 de Março, na refinaria da BP em Texas City. Faria sentido uma página de anúncio ao lado das reportagens do acidente? Não se trata de eliminar campanhas mas apenas de adiar, e apenas adiar, a inserção de publicidade – explicaram-me.
Julgava eu o assunto esclarecido, quando me cai nas mãos um violento editorial, assinado pela direcção da mais prestigiada revista mundial de publicidade, a “Advertising Age”. Logo o título, furibundo, dispara sem reticências: “Vergonha para a BP e para a Morgan Stanley” por causa das suas políticas de cortes de anúncios. Franzi o sobrolho. Publicitários a atacarem os seus próprios clientes? Li mais:
“Vergonha para a BP. E vergonha para a Morgan Stanley, a General Motors e quantos mais anunciantes se envolvem em assaltos à integridade editorial (jornalística) e à sua independência. Ao usarem os seus orçamentos como armas para derrubar as redacções, estas empresas ameaçam o vínculo que liga os patrimónios mediáticos aos seus públicos, justamente o que torna valiosos os media para os anunciantes.”
Aqui chegado, restava-me uma de duas: desistir da crónica, voltar ao contacto com a BP e transformar este texto num debate entre publicitários e seus clientes; ou fechar a crónica e deixar que o leitor conclua pela sua própria cabeça.
Por mim, não fiquei com dúvidas. Nenhumas. Também tenho as minhas “tolerâncias zero”.
(«A CAPITAL», 27 Maio 05)
A bem ou a mal, a mel ou a chicote, os media que curvem a espinha e obedeçam aos ditames dos poderes. Estes os avisos que chegaram, esta semana, da Galiza e dos Estados Unidos da América. As paradas vão altas, que se precavenham os incautos, os ingénuos... e os herois, se os houver.
A Xunta da Galiza destinou dois milhões de euros para pagar notícias favoráveis à actividade do governo autónomo e do seu presidente. Segundo o “El Pais”, um acordo celebrado em Abril com a maioria dos meios de comunicação galegos previa pagamentos que iam dos 18.000 euros para algumas rádios a 420.000 para “La Voz de Galicia”, o diário de maior difusão na comunidade. Por via das dúvidas o Governo resolveu suspender esse acordo enquanto dura a actual campanha eleitoral, mas o “El Pais” garante que isso não foi comunicado aos directores de vários dos media abrangidos.
Nos Estados Unidos a onda é a mesma, mas por via do safanão. Na semana passada, o gigante financeiro Morgan Stanley anunciou a sua nova política de publicidade para a imprensa: a publicação de algum artigo considerado “negativo” para a empresa provocará a suspensão imediata de todas as campanhas publicitárias previstas para esse jornal. “No caso de estar a ser preparada alguma peça jornalística controversa, a agência (de publicidade) deve ser avisada porque poderão tornar-se necessárias alterações de última hora. Se o tema surgir fora do horário normal de serviço e se não puder ser resolvido por telefonema, cancelem-se imediatamente todos os anúncios da Morgan Stanley por um mínimo de 48 horas”, diz a nova adenda aos contratos de publicidade da empresa.
Seis dias depois, no dia 24 de manhã, a agência de publicidade que trabalha para o gigante petrolífero BP veio também exibir a sua palmatória do “ad-pull” (retirar anúncio) e anunciou “tolerância zero” para qualquer peça jornalística, publicada sem conhecimento prévio da empresa, “onde se faça alusão directa à BP, a qualquer concorrente ou à indústria petrolífera em geral”. Isto abrange textos e ilustrações. A directiva, intitulada “2005 BP Corporate-RFP”, ameaça com as mesmas retaliações: suspensão imediata de qualquer anúncio contratado com o jornal prevaricador. Assim mesmo. Um porta-voz da agência, a MindShare, recusou-se a comentar, dizendo tratar-se de “um assunto do cliente”.
Ou seja: ou publicas o que eu quero, ou ficas sem dinheiro. É tempo de domesticar o jornalismo. Na Galiza, pagando-lhe textos. Nos Estados Unidos, cortando-lhe receitas. Na Galiza, fala grosso o poder político. Nos Estados Unidos, o poder económico. Em ambas as situações, os pontos de apoio dos ditadores são a fragilidade financeira das empresas mediáticas, a precaridade das carreiras jornalísticas e consequentes vulnerabilidades e – acrescento – uma razoável confiança na impassibilidade das opiniões públicas. Que movimentos de indignação se poderão esperar, nos dias que correm, repudiando a violência ética destas práticas? E a perda de credibilidade dos jornais que se deixem corromper, merecerá ela castigo por parte dos seus consumidores? Por muito que doa, é altamente improvável.
Antes de escrever esta crónica, fiz o meu trabalho: falei para a BP portuguesa. Queria saber se a “tolerância zero” também ia chegar a Portugal e à sua imprensa. Foi-me respondido que não, que a “2005 BP Corporate-RFP” não fora recebida em Lisboa. Mas acrescentaram que a directiva não devia ser entendida como um braço de ferro à liberdade de imprensa, mas antes como uma forma de evitar a publicação de páginas de publicidade da BP numa edição de jornal ou revista onde se contivessem matérias controversas para a vida da empresa. E citaram como exemplo a explosão que matou 15 pessoas e feriu uma centena, em 23 de Março, na refinaria da BP em Texas City. Faria sentido uma página de anúncio ao lado das reportagens do acidente? Não se trata de eliminar campanhas mas apenas de adiar, e apenas adiar, a inserção de publicidade – explicaram-me.
Julgava eu o assunto esclarecido, quando me cai nas mãos um violento editorial, assinado pela direcção da mais prestigiada revista mundial de publicidade, a “Advertising Age”. Logo o título, furibundo, dispara sem reticências: “Vergonha para a BP e para a Morgan Stanley” por causa das suas políticas de cortes de anúncios. Franzi o sobrolho. Publicitários a atacarem os seus próprios clientes? Li mais:
“Vergonha para a BP. E vergonha para a Morgan Stanley, a General Motors e quantos mais anunciantes se envolvem em assaltos à integridade editorial (jornalística) e à sua independência. Ao usarem os seus orçamentos como armas para derrubar as redacções, estas empresas ameaçam o vínculo que liga os patrimónios mediáticos aos seus públicos, justamente o que torna valiosos os media para os anunciantes.”
Aqui chegado, restava-me uma de duas: desistir da crónica, voltar ao contacto com a BP e transformar este texto num debate entre publicitários e seus clientes; ou fechar a crónica e deixar que o leitor conclua pela sua própria cabeça.
Por mim, não fiquei com dúvidas. Nenhumas. Também tenho as minhas “tolerâncias zero”.
(«A CAPITAL», 27 Maio 05)
Etiquetas: CPC
8 Comments:
Claríssimo. As empresas dizem aos jornais "ou publicas o que eu gosto, ou tiro-te a minha publicidade". É assim como um gajo dizer a uma miúda "ou vais comigo prá cama ou não te convido pra jantar". Perfeito!
Essa agora! Então uma empresa não tem o direito de recusar anunciar num jornal que diz mal dela? E essa coisa do jantar, pois claro que o tal "gajo" tem todo o direito de não gastar dinheiro sem receber a troca. É assim a vida!
Isto só pode mesmo ser diálogo entre homens... pff!
olá! Guerra de sexos por causa da BP? Tem graça...
Não esqueçamos um caso bem recente:
Pelo facto de ter dado estaqué ao caso das "meninas de Bragança", a TIME viu retirada (pelo nosso Governo) a publicidade ao EURO-2004.
Neste caso, BP significaria "Bom Portuga".
(Resmungo):
Est teclaado estaá cada vez ior:
Onde, no exto anteriór se le «estaqué» devialerse «destaque»
... e A Capital de hoje recorda o caso do BES contra o Expresso. Tenho-me divertido bastante com a súbita polémica que estalou aqui no nosso blogue, caro CMR!
Então e o que faz o Jardim, metendo descaradamente dinheiro (de quem?) em jornais, escrevendo como "colaborador permanente" no «Jornal da Madeira» e PAGANDO (!!!) para lhe publicarem as baboseiras n' «O DIABO»???
C. Eduardo
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