(Ontem foi) SEXTA-FEIRA-13!!
No livro «Jeremias e as Incríveis Consultas do Dr. Reboredo», contam-se as desgraças de um pobre inforfóbico que trabalha numa empresa onde começam a aparecer as «novas tecnologias».
Em pânico, e sentindo-se enlouquecer com essas «modernices», todas as semanas o infeliz vai ao psicanalista (o Dr. Tinoco) procurar alívio.
Para cúmulo, desta vez, houve uma sexta-feira-13!
- Então como é que correu a sua sexta-feira-13? – era o Dr. Tinoco que, abrindo a porta com um sorriso nos lábios, interpelava o seu doente.
- Nem me fale nisso, meu amigo! Você nem me fale nisso! - respondeu o infeliz Reboredo.
Depois, interrompendo o que estava a dizer (como se estivesse em busca das palavras certas), tirou o sobretudo e o casaco e, com um longo suspiro, acomodou-se confortavelmente no divã.
(...)
NOTA: Por ser um pouco longa, esta história está em "Comentários - 1". Quanto ao livro de onde foi tirada, está disponível em www.jeremias.com.pt. O respectivo Prefácio, da autoria de Carlos Pinto Coelho, está em "Comentários -2"
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- Então como é que correu a sua sexta-feira-13? – era o Dr. Tinoco que, abrindo a porta com um sorriso nos lábios, interpelava o seu doente.
- Nem me fale nisso, meu amigo! Você nem me fale nisso!
E, interrompendo o que estava a dizer como se estivesse em busca das palavras certas, tirou o sobretudo e o casaco e, com um longo suspiro, acomodou-se confortavelmente no divã.
Desta vez não foi preciso fazer quaisquer perguntas.
Depois de um curto silêncio ele mesmo tomou a iniciativa de falar e, após as diatribes habituais contra o novo mundo digital e as modernices das novas tecnologias, desabafou:
- Lá no meu escritório, como você sabe, há um elevador.
«Então hoje a conversa vai ser sobre elevadores?!» – estranhou o psicanalista de si para consigo mas limitando-se, com um ligeiro aceno de cabeça, a encorajar o outro a prosseguir.
- Estava tudo muito bem até que resolveram, ultimamente, meter um novo automatismo computadorizado naquela coisa.
- E a partir daí você passou a andar só pelas escadas, não? – sorriu o outro.
- Adivinhou. Desde que meta coisas digitais… fujo delas como o diabo da cruz! Mas na sexta-feira eu estava com pressa, e já se está mesmo a ver o que me aconteceu!
- Não diga mais… Você meteu-se no elevador, ele avariou-se, e você ficou lá dentro a fazer considerações infernais sobre as sextas-feiras-13! – interrompeu o Dr. Tinoco, remexendo-se na cadeira.
- Você continua a acertar… Mas, para me acalmar, eu pensava na sua conversa da semana passada segundo a qual, quando uma coisa é má para uns, de certeza que deve ser boa para outros… E procurava descortinar onde é que poderia estar o lado bom da coisa…
- Fácil! Neste caso o que era mau para si era bom para a empresa de reparação de elevadores… – aventou timidamente o Dr. Tinoco, já arrependido por ter andado a desmistificar as superstições do amigo.
- Nem sequer isso, porque estava na garantia… Mas, de facto, houve alguém que ganhou…
E passou a explicar…
Acontecera que, devido ao facto de ter ficado retido meia hora no elevador, tinha sido possível ao Sr. Ambrósio – apesar de terrivelmente atrasado pelos engarrafamentos de trânsito – apanhar ainda o Reboredo na empresa.
E como o Sr. Ambrósio ficara feliz por isso!
Claro que falta explicar quem é esse senhor Ambrósio:
É um velhinho muito simpático e que é o único vendedor, em muitos quilómetros em redor, de máquinas de TELEX (!!).
E o nosso amigo Reboredo é, precisamente, o seu único cliente…
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(*) Disponível em e-book gratuito em www.jeremias.com.pt
Prefácio de Carlos Pinto Celho a este livro:
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A UMA QUEIROSIANA ACTUALIDADE
Não tenho a certeza de que tudo quanto se passa por escrito neste livro, não venha a ser risível dentro de... digamos, três anos. Ou cinco. Mas risível na mesma. Apesar dessa acabrunhante possibilidade, quero colaborar, de-nome-por-baixo, com o Medina Ribeiro, numa das mais divertidas aventuras epistolares do Portugal fim-de-século que ambos vivemos, com humor e irritação.
Orgulhosamente sós, como o velho ditador se ufanava de apregoar, chegámos a 99 com uns poucos milhão e qualquer coisa terminais de computador, entre os quais se contam as múltiplas dezenas de milhar que estão nas universidades, nos bancos, em toda a rede escolar do ensino básico, nas câmaras municipais mais "in" e em outras instituições afins. Porque NAS SUAS CASAS, os portugueses, neste finalzinho de século, o que usam é MESMO o velho televisor na sala, ligado para a telenovela ou para o "furo" pimba que a Televisão da Igreja descobriu (oops! parece que já não é da Católica, desculpem!) e ainda não a Internet, no lazer do seu fim de dia.
É mau, isso ? Usar bovinamente a Tv da sala, em vez do vício solitário do diálogo virtual com o mundo? Penso que sim, que a Tv é pior, mesmo que nela ganhe o meu pãozito honesto. Até porque acredito ferozmente em que a única profecia certa de Nostradamus, foi a que ele nunca escreveu: o fim das nossas humanidades situa-se na relação directa com um "écran" que nos tira vontade de conversar para o lado.
Mas há uma diferença imensa entre não falar para o lado porque estou passivamente vendo Tv, e "falar" compulsivamente com alguém sem rosto que, apesar de tudo, quer "falar" comigo, no outro lado do mundo. Há, aqui, acção, escolha - há, ali, distensão, desistência. E não me falem em informação de telejornais, que a Tv anda agora bem mais horas atrasada do que as páginas "News" de qualquer mediano servidor da Web.
Não, o que vai tornar caricatas as páginas deste delicioso livro, daqui a três ou cinco anos, não são o Jeremias e o Reboredo, mas a ironia de elas terem feito algum sentido num país europeu de 1999. Ou seja, de elas terem podido ser imaginadas, com esmero, humor e ironia, para divulgar coisas totalmente ELEMENTARES. De ferramenta e, sobretudo de mentalidade.
À maneira do que fez o Eça, a páginas 36 da nona edição Lello de "A Cidade e as Serras " (1924):
" Com curiosidade, encostei o funil a esta minha confiada orelha, afeita à singeleza dos rumores da serra. E logo uma Voz, muito mansa, mas muito decidida, aproveitando a minha curiosidade para me invadir e se apoderar do meu entendimento, sussurrou capciosamente:
- ...« E assim, pela disposição dos cubos diabólicos, eu chego a verificar os espaços hypermágicos!...»
Pulei, com um berro.
- Oh Jacintho, aqui há um homem! Está aqui um homem a falar dentro duma caixa!
O meu camarada, habituado aos prodígios, não se alvoroçou:
- É o Conferençofone... Exactamente como o Theatrophone; somente aplicado às escolas e às conferências. Muito cómodo!... Que diz o homem, Zé Fernandes? "
Agora, em Medina Ribeiro, Jacintho é Jeremias, e o embasbacado Zé Fernandes é Reboredo. E como eles são, cada qual nos seus tempos, iguais! E como
Portugal continua pequenino, em Eça cheirando a rosmaninhos sertanejos, agora ronronando no sofá da sala ao som abrasileirado da Rede Globo de Televisão ! E como iremos nós dois, Medina Ribeiro e eu (sobretudo ele !) ser relidos com incrédula simpatia, daqui a cinco anos, ao termos botado nossos nomes em este livro de risonha introdução à modernidade dos tempos !
Ó lusitana fatalidade!
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Carlos Pinto Coelho - Maio 1999
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