19.9.05

A derrota dos porcos

Tradução de uma carta (VERDADEIRA) recebida recentemente pelo Comissário Europeu da Agricultura.

Senhor Comissário da Agricultura,

O meu amigo Robert, que vive na Bretanha, recebeu um cheque de 100.000 EUR da UE para não criar porcos este ano. Por essa razão eu estou a pensar entrar no programa de não-criação de porcos no próximo ano. O que eu gostaria de saber era qual é a melhor quinta possível para não criar porcos e também qual a melhor raça a não criar.

Gostaria de não-criar Javalis, mas se eles não forem uma boa raça para não-criar, fico igualmente satisfeito se puder não-criar uns Landrace ou uns Large White. O trabalho pior neste programa parece-me ser manter um inventário preciso do número de porcos que não criámos.

O meu amigo Robert está muito entusiasmado quanto ao futuro do seu negócio. Criou porcos durante mais de 20 anos e o máximo que tinha conseguido ganhar foram uns 35.000 EUR em 1978... até este ano, que recebeu o tal cheque de 100.000 EUR para a não-criação de porcos. Se eu posso receber um cheque de 100.000 EUR para não-criar 50 porcos, então receberei 200.000 EUR por não-criar 100 porcos, etc?

Proponho-me começar por baixo para depois chegar a não-criar uns 5000 porcos, o que significa que receberei um cheque de 10.000.000 EUR para poder comprar um iate e para outras necessidades urgentes. Mas há outra coisa: os 5000 porcos que eu não criarei deixarão de comer os 100.000 sacos de milho que lhe estão destinados. Entendo, portanto, que irão pagar aos agricultores para não produzir esse milho. Isto é: receberei alguma coisa para não produzir 100.000 sacos de milho que não alimentarão os 5000 porcos que não-criarei? Pretendia começar o mais cedo possível, porque parece que esta altura do ano é a mais propícia à não-criação de porcos.

Com os melhores cumprimentos,

(Assinatura ilegível)

PS: Mesmo estando implicado no programa poderei criar uns 10 ou 12 porcos para ter algum presuntito para dar à família?


4 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O meu sogro também, em tempos, recebeu um subsídio para arrancar oliveiras.
Depois, passou a receber outro subsídio pelo azeite dado pelas oliveiras que não arrancou.

19 de setembro de 2005 às 15:13  
Blogger Helder Mendes said...

Esta situação, além de hilariante, tem a virtude de deitar abaixo mais de dois séculos de filosofia ocidental. Passo a explicar: os filósofos, ao discutirem o estatuto ontológico, sempre defenderam que o Ser tinha mais valor do que o Não-Ser. Ora, ficamos a saber que, para a Comissão Europeia, o inverso é que é verdadeiro!! É caso para responder de modo anti-Leibniziano: "Porque é que há o nada em vez do ser?" :))

19 de setembro de 2005 às 15:54  
Anonymous Anónimo said...

Também gostava de criar porcos!? Mas não como a raça que é criada na Assembleia da Républica!

20 de setembro de 2005 às 10:07  
Anonymous Anónimo said...

Nem mais! Esta carta toca um ponto chave. Especialmente quando se pensa em eventos ,intitulados humanitarios, realizados com o intuito de combater a fome em Africa, e nao so (porque ha fome mesmo ao nosso lado mas o ego por vezes é mais forte que a visao).Nao seria mais proveitoso combater este desperdicio, patrocinado pela UE, e canalizar esses recursos para alimentar quem necessita? Que tipo de sociedade é esta que paga ao pequeno produtor para nao produzir, estimulando a inactividade, e permite que os grandes produtores continuem a aumentar os seus niveis de produçao, quando deveriam ser esses mesmos a sofrer alguma regulaçao.
Ou entao porque nao atribuir esses subsidios com o objectivo de estimular a produçao de materias das quais carecemos?
Toda esta discussao so me faz ter vontade de ir comer uns secretos de porco preto.

20 de setembro de 2005 às 10:41  

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