Terra redonda
Há dias, pessoa amiga disse-me que essas provas ainda hoje se aprendem na escola. Ou, pelo menos, em algumas escolas. Conversámos um pouco sobre o assunto e dei por mim a mudar de opinião. Afinal, vale a pena conhecer as provas clássicas. Não só para tomar contacto com a argúcia dos antigos — o que é importante — mas, sobretudo, para verdadeiramente perceber que a Terra é esférica. Ou seja, para incorporar essa ideia no nosso dia-a-dia.
Fases da Lua (V. «Comentário-2»)
Aprendem-se coisas na escola e aprendem-se coisas na vida, mas a ligação é deficiente. Muitas pessoas têm dificuldade em aplicar os conhecimentos. O que aprendem em matemática, em física, em história, ou no que seja, fica num compartimento estanque do cérebro e não se transfere para a vida.
Não se conhece uma solução milagrosa para realizar esta transferência — e o problema continua largamente em aberto em psicologia e pedagogia. Mas uma coisa é óbvia: quanto mais ligações entre o ensino e a vida a escola estabelecer, mais facilitada essa transferência fica.
As provas gregas da esfericidade da Terra têm esta grande vantagem: são verificáveis por qualquer um. Não é preciso ir ao espaço e tirar uma fotografia à Terra, coisa que praticamente ninguém pode fazer. Basta saber olhar à volta. Basta aprender a ver no mar, no ar e no céu os sinais da Terra redonda.
Aristóteles (384–322 a.C.) listava duas observações decisivas: a visão do firmamento ser diferente em diferentes latitudes e a forma circular da sombra da Terra sobre a Lua durante os eclipses. Nenhuma destas provas é fácil de realizar, mas ambas estão ao nosso alcance. A primeira obriga a viajar e observar. Será preciso, no mínimo, viajar do norte ao sul do país para se começar a perceber que há estrelas que num local se vêm a roçar o horizonte e noutro aparecem um pouco mais acima. Em alternativa, pode-se medir a altura da estrela Polar, que no Minho é uns quatro graus superior à do Algarve. O horizonte não está no mesmo plano nos dois locais. Seguimos a curvatura da Terra ao viajar de um lado para outro e, por isso, muda o céu que vemos.
A segunda prova de Aristóteles obriga a esperar por um eclipse lunar. Nessa altura, vê-se que a sombra que a Terra projecta sobre a Lua tem «a fronteira sempre convexa», como dizia Aristóteles. A Terra tem de ser redonda.
Estas e outras provas eram consideradas tão decisivas que o sábio romano Plínio o Velho (23–79 d.C.) dizia que a forma esférica da Terra «é o primeiro facto acerca do qual há um acordo generalizado». Não foi pois Cristóvão Colombo quem mostrou que a Terra é redonda, como por vezes se afirma. Já quase toda a gente culta o sabia desde a Antiguidade.
Mas há outras provas ainda mais interessantes, apesar de menos conclusivas. A minha prova favorita apenas necessita de um pôr do Sol junto ao mar e de nuvens. Depois de o Sol mergulhar no oceano, há nuvens que se mantêm iluminadas pelos raios vermelhos da nossa estrela. Estão mais altas que nós e o Sol ainda as alcança. E isso acontece em qualquer local. O oceano tem de ter uma curvatura.
Sabe bem ver a esfericidade da Terra ao pôr do Sol.
Nuno Crato - Adapt. do «EXPRESSO»
--
NOTA: As imagens de António Cidadão aqui reproduzidas correspondem a uma sequência de fases da Lua e a uma sequência de imagens de um eclipse lunar. Em ambas é nítido o terminador, isto é, a linha de separação entre a parte iluminada e a parte escura. Nota-se uma diferença entre as duas sequências. Como dizia Aristóteles, no caso do eclipse o escurecimento é sempre convexo. Nas fases da Lua, pelo contrário, o escurecimento é côncavo quando a Lua está escurecida a menos de metade e convexo quando está mais obscurecida do que iluminada.
Na sequência de fotografias do eclipse lunar, aqui justapostas, pode-se ainda estimar o diâmetro da Terra por comparação com o da Lua.
Agradece-se ao professor António Cidadão (APAA) a cedência das imagens.
N.C.
Etiquetas: NC
3 Comments:
O blogger não está a permitir ampliar a 2ª imagem (a da lunação).
Tenho-a comigo, pelo que poderei enviá-la a quem ma pedir.
Basta enviar 1 mail para medina_ribeiro@netcabo.pt escrevendo em assunto "LUNACAO"
"...Aprendem-se coisas na escola e aprendem-se coisas na vida, mas a ligação é deficiente. Muitas pessoas têm dificuldade em aplicar os conhecimentos. O que aprendem em matemática, em física, em história, ou no que seja, fica num compartimento estanque do cérebro e não se transfere para a vida.
..."
Sorte para quem teve "PROFESSORES"
Nuno Crato não se lembrará de mim. Mas eu lembro-me dele. Em 1980, Liceu Raínha D. Leonor, disciplina de jornalismo.
Foi meu professor.
Encontrá-lo agora aqui, na blogoesfera, não deixa de ser curioso.
Cumprimentos!
Enviar um comentário
<< Home