CAPITALISMO TOTAL (*)
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Num pequeno livro publicado há poucos meses, significativamente intitulado Le capitalisme total (Seuil), um antigo banqueiro e gestor de empresas, Jean Peyrelevade, explica com clareza que o capitalismo moderno está organizado como uma gigantesca sociedade anónima, uma sociedade de proprietários igualmente anónimos. Na sua base, cerca de 300 milhões de accionistas, 90 % dos quais concentrados na América do Norte, na Europa Ocidental e no Japão, controlam a quase totalidade da capitalização bolsista mundial. Regra geral de meia idade, com formação superior e um nível de rendimentos elevado, esses accionistas anónimos confiam cerca de metade dos haveres financeiros que possuem a várias dezenas de milhares de gestores por conta de outrem, cujo único objectivo é o de enriquecer os seus mandantes, tirando partido da mundialização.
Não pondo em causa o natural desejo de enriquecimento e a legítima vontade de empreender e de prosperar, o problema é que a fronteira que separa estes propósitos da pura cupidez é sistematicamente ultrapassada. Dado que as bonificações e stock options de que podem beneficiar dependem dos resultados obtidos, esses gestores pagos a peso de ouro sentem-se impelidos a alcançar performances cada vez mais surpreendentes em prazos sempre mais curtos. O desejo de ganhos ilimitados transforma-os em predadores. Taxas de rentabilidade do capital da ordem dos 15 a 20 %, só para distribuir dividendos, são totalmente absurdas, irrealistas e insustentáveis a longo prazo. Os lucros obtidos em bolsa, graças à especulação financeira, correspondem cada vez menos ao valor real das empresas e raramente são contrapartida de bens produzidos ou serviços prestados.
Os «verdadeiramente ricos» (high net worth individuals) e os «ultra-ricos» (ultra high net worth individuals) afastam-se cada vez mais do resto da população mundial. Só 77 mil famílias ultra-ricas (menos de um por cento das verdadeiramente ricas) detêm 15 % da riqueza mundial, ao passo que 50 % dos trabalhadores do planeta (1,4 milhares de milhões de famílias e 2,8 milhares de milhões de indivíduos) vivem com menos de dois dólares por dia. O capitalismo total é um capitalismo sem projecto e sem preocupações sociais, dominado pela «execrável sede do ouro» (Virgílio). Ora, como diz Peyrelevade: «O actual modo de vida ocidental não é generalizável ao conjunto do planeta: 20 % dos seus habitantes já consomem 80 % dos seus recursos». Resta esperar pela pancada.
(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de hoje (não está online), aqui transcrita com sua autorização.
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2 Comments:
Curiosidade:
No fim do texto lê-se:
«...20 % dos seus habitantes já consomem 80 % dos seus recursos».
Esta relação 20/80 versus 80/20 chama-se Lei de Pareto. Curiosamente, aplica-se a muitas outras situações.
Pois pois...!!! o bote continua a encher, mas para remar são sempre os mesmos.
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