24.11.06

Desencravar Lisboa

NA CÂMARA DE LISBOA, a confusão parece não ter fim. Primeiro foi a quebra da coligação Carmona Rodrigues/Maria José Nogueira Pinto e o triste episódio que lhe serviu de pretexto. Andou-se para aí uns dias a analisar quem é que teria sido mais "desleal", quem é que teria tomado a iniciativa de "romper"... Interpretações telenovelescas à parte, parece claro que é o presidente da câmara quem sai politicamente enfraquecido. Não só porque passa a ter de governar em minoria, mas, principalmente, porque resulta de todo o processo que, do lado social-democrata, houve menos desacordo do que tacticismo ("ciumeira" se preferirem).

Mas, do lado da oposição, a paisagem também não dá para grandes optimismos. O PCP e o BE revelam-se (coerentemente?) forças conservadoras que, antes de mais, dizem não, não e não. E o PS, que, numa situação "normal" poderia ter aqui uma boa oportunidade para se mostrar útil, surge dividido e mal preparado.

Como se isto não bastasse, o próprio PSD-Lisboa entretém-se em guerrinhas internas (numa forma mista, muito portuguesa, de guerra surda e guerra aberta, em que um grupo de deputados municipais pode desobedecer ao partido declarando-se obediente ao partido...). E Carmona Rodrigues vai-se enrolando em erros, indecisões, trapalhadas.

Durante algum tempo, o actual presidente ainda conseguiu vender uma imagem simpática de simples "técnico" (por oposição, estava implícito, aos malvados dos "políticos"...), mas esse meio trunfo já lá vai. Hoje, ao contrário, era exigível que fosse mais político: que tivesse ideias mais claras, que estivesse mais seguro das opções que defende e que fosse capaz de lançar uma visão de médio e longo prazo para a cidade. Desse modo, seria porventura mais fácil manter compromissos - acordos políticos suportados por objectivos comuns e não pela mera "força das circunstâncias" -, mas também ser menos permeável a sopros de um lado e do outro. Pelo andar da carruagem, e apesar da espantosa vitória nas últimas eleições, o hesitante presidente arrisca-se a ficar para a História, afinal, como apenas mais um subproduto santanista.

E, entretanto, Lisboa vai ficando cada vez mais adiada, encravada por questiúnculas de vaidades, guerrilhas tribais e mesquinhos jogos de poder.

Jacinto Lucas Pires

Publicado no «DN» de 24 Nov 06 [PH]