8.1.07

Na morte de um aluno

Para o Bruno, porque é muito mais tarde do que julgamos
Em Private Ryan Spielberg conta a história, inspirada em factos reais, do resgate de um soldado de infantaria durante a Segunda Guerra Mundial cujos três irmãos tinham morrido já em combate. O Presidente Roosevelt, alertado pelas autoridades militares, ordena procurar o quarto irmão e mandá-lo para casa. Destaca-se um pelotão ad hoc (oito homens comandados por um oficial) para localizar o soldado no teatro de guerra europeu, semanas depois do desembarque aliado na Normandia. Os meios de informação disponíveis eram muito deficientes e ninguém sabia onde andava o soldado Ryan, nem sequer se estaria vivo, desaparecido ou prisioneiro dos alemães. O filme narra com mestria todas as situações, terrivelmente dramáticas e perigosas, pelas quais estes oito homens vão passando enquanto percorrem palmo a palmo os campos em guerra e neles procuram o soldado desaparecido. Um a um vão sendo mortos em inevitáveis acções de guerra. Quando finalmente dão com ele, a situação militar é tão grave que os sobreviventes do pelotão, e o próprio soldado Ryan, vêem-se obrigados a lutar em desespero pela vida antes de poderem completar a missão e regressar a casa. Nessa última acção tombam todos, menos Ryan. O último a morrer é o capitão Miller, que comandou o pelotão. Malferido, momentos antes de expirar diz a Ryan que os seus sete homens, e ele próprio, morreram para que ele pudesse viver. E remata com uma terrível sentença: “merece-o” (“earn it!”).
Uma tragédia absurda ceifou a vida do Bruno aos seus vinte e dois anos, quando tudo lhe estava por fazer, quando tudo tinha pela frente... não se costuma pensar na morte até bem mais adiante na vida; não se tem, na primeira juventude, a noção de que a vida é um bem precioso, uma dádiva especial mas frágil, tão frágil quanto a asa de uma borboleta, pendente de um fio finíssimo e invisível nos invisíveis dedos do Destino; ignora-se a noção de que, afinal, “todos queremos o bem dos nossos filhos, todos habitamos o mesmo planeta e somos todos mortais”, que um dia tão bem sintetizou o Presidente Kennedy. Só mais tarde se aprende que há apenas duas realidades absolutas na vida: pagar impostos e morrer. E que tudo o resto são acidentes do caminho que há que andar. Até muito mais tarde não aprendemos em carne própria (que é como se aprendem as lições difíceis) que não se deve contar a vida em meses e anos, nem sequer em dias. Mas que há que contá-la em horas, em minutos, até em segundos, e que todos eles passam e passam, inexoráveis, e nunca por nunca regressam: todas as manhãs do mundo são irrepetíveis, todas as nossas manhãs são irrepetíveis. Até muito mais tarde não sabemos que há que merecer cada instante das nossas vidas, e vivê-lo a fundo, como se fosse o último, porque pode ser o último. Vivamos pois a vida com intensidade, com verdade, com paixão. Mereçamo-la. Mesmo que seja só por aqueles que já nunca mais poderão fazê-lo.
Ninguém pode saber onde estará agora o Bruno, nem se está melhor, se pior ou igual. Nem sequer se está: a fé de cada qual, as suas crenças, que o digam a cada um... Mas o que é certo é que ninguém morre enquanto o recordarem: enquanto houver uma única pessoa neste mundo que recorde o Bruno, o Bruno viverá sempre entre nós.

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