10.2.07

Um texto que eu gostaria de ter escrito...

Al Gore falou e eu não ouvi
Esta semana, Portugal dividiu-se entre dois tipos de pessoas: aquelas que receberam convite para estarem presentes na conferência de Al Gore e aquelas que não receberam convite. Eu não recebi convite. Não fiz parte dos 600 eleitos. Se a sua conferência fosse a arca de Noé, eu teria morrido no dilúvio (uma metáfora, aliás, perfeitamente adequada à situação). É verdade que aquilo que Al Gore veio dizer a Lisboa, mais glaciar derretido menos glaciar derretido, já se viu no cinema e está quase a ver-se em DVD. Mas, ainda assim, ele é o homem do momento, o guru da causa ambientalista, o Lázaro da política americana, o senhor verdade inconveniente. Degustá-lo ao vivo tem outra graça, tem o fascínio do "eu estive lá, a preocupar-me pessoalmente com a sorte dos pinguins".
Por isso, tardo a recuperar dessa violenta punhalada na minha auto-estima. Mas mesmo alquebrado e psicologicamente abatido faço um esforço por raciocinar. E, raciocinando, não deixa de me parecer um pouco estranha a bateria de condições hercúleas alegadamente impostas pelo staff de Al Gore para a sua vinda a Portugal.
Não me entendam mal: levar 175 mil dólares por 90 minutos de oratória ainda é como o outro, que todos precisamos de ganhar a vida. Agora, proibir qualquer tomada de imagem e de som, só ao alcance dos organizadores, e deixar o evento sem cobertura de televisões ou da rádio, parece-me ligeiramente contraditório com a urgência da sua mensagem. Ora pensem comigo. Se é suposto que o mundo perceba que dentro em breve terá água pelos artelhos, que o aquecimento global está a dar cabo do planeta e que, se nada fizermos, estaremos literalmente fritos, não se deveria tentar apregoá-lo ao maior número de pessoas? Se a tragédia está apenas a décadas de distância, faz sentido tantas regras no direito de admissão? Eu pensava que a ampliação das más notícias pelos media fosse parte essencial do processo. Erro meu. Pelos vistos, Al Gore é um profeta dos tempos modernos: anuncia as pragas do Egipto, mas só para convidados.
João Miguel Tavares - «DN» de 10 Fev 07 - [PH]