24.6.07

A REFORMA DO PARLAMENTO

Por Nuno Brederode Santos
"OS DEPUTADOS EXERCEM LIVREMENTE o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções", proclama a Constituição. Que acrescenta, entre os poderes dos deputados, "apresentar projectos de lei, de Regimento ou de resolução". Mas nem um pastorinho veria nisto um bom retrato da condição parlamentar. Porque a prática veio reduzindo estes preceitos à mais cândida retórica.
De facto, submetidos a uma disciplina (partidária e de bancada) rígida e nada conforme a um estatuto de partilha da soberania do Parlamento, os deputados não têm condições para arriscar essa conciliação, que lhes compete, entre a interpretação que fazem do mandato para que foram eleitos e as decorrências de o terem sido integrados em listas partidárias. Não têm condições objectivas e hoje já muitos não as têm subjectivas. Submeteram-se. Alguns apagaram-se até. E, cada vez mais, quem não quer tal condição foge de ser deputado, convergindo com a tendência das direcções partidárias para passarem a preferir, aos melhores, os incondicionais. Os silenciosos backbenchers, que já só sabem fazer número a troco do silêncio dos figurantes.
Ao longo do tempo, sempre a ideia de alterar esta realidade morreu no ovo das piedosas intenções. Mudar isto requeria a força de uma maioria absoluta, monopartidária ou não. Mas a realidade foi mostrando que as maiorias nunca estavam dispostas à abdicação das vantagens que a situação lhes trazia.
Este enguiço só podia ser quebrado consagrando-se o agendamento automático das iniciativas legislativas de todo e qualquer deputado. Aceitando-se, é claro, a maçada de ter de arrasar pelo voto os projectos de "dia do cão" ou outros, porventura ainda mais bizarros. Mas só assim se poderia reinstalar o estatuto que a Constituição quis conferir ao deputado. Um estatuto de liberdade, mas também de responsabilidade, pois ao eleitorado caberá julgar, a seu tempo, os que atravancarem os trabalhos parlamentares com ninharias inúteis.
Esta é, por certo, a mais importante recomendação das 95 constantes do relatório da "comissão Seguro" ao grupo parlamentar socialista. Que estarão a ser passadas ao crivo da bancada para serem presentes a debate entre todos os partidos. Segundo a imprensa menos dada a optimismos, o crivo não terá descaracterizado o documento. E o próprio líder partidário declarou, nas recentes jornadas parlamentares do PS, ter acompanhado desde a origem os trabalhos da comissão. Mas, a confirmar-se tudo isto, resta ainda ver qual a posição que vai ser tomada pelos restantes partidos num debate anunciado para Julho.
Entre os outros aspectos salientes da reforma, contam-se o reforço das competências fiscalizadoras da Assembleia. Devendo isso traduzir-se em maior frequência das interpelações ao Governo e das comparências do primeiro-ministro e numa maior sujeição dos ministros ao esclarecimento da Assembleia. Mas, sobretudo, numa reabilitação dos trabalhos em comissão, que é condição da dignificação do debate político em Plenário. O que um deputado que é angariador de seguros tem em comum com outro que é monge trapista é que ambos são políticos. É, pois, no Plenário e no terreno da política que eles deverão confrontar-se - e não nas questões técnicas e adjectivas, as quais melhor se debatem e negoceiam na comissão onde se encontram os mais vocacionados para a matéria.
Esta é a oportunidade que em Julho se vai jogar. A oportunidade para uma auto-regeneração do que vai mal na vida parlamentar e para a reafirmação da centralidade da Assembleia da República no regime constitucional em que vivemos. Julgo que não será optimismo - mas, se o for, é um optimismo de sobrevivência - pensar que o que resta de opinião popular interessada na coisa pública não perdoará facilmente que ela seja desperdiçada. Como se fosse da fria vontade dos políticos em geral manter inalteradas as causas, tantas vezes comprovadas, do desprestígio das instituições, do afastamento de muitos quadros e da desmotivação do eleitorado.
«DN» de 24 de Junho de 2007

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6 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Outro assunto interessante (e que está mais uma vez na berlinda) é o número de deputados:

230, como agora?
181, como propõe o PSD?

Bem, o importante é que seja ímpar, para evitar a repetição da barracada limiana.

Mas admitamos que, para efeitos de representatividade, o número tenha de ser o actual (mais um / menos um, não interessa). Será que, para isso, teremos de ter (e manter) uma multidão de eleitos que nunca se ouvem e raramente se vêem?

Não se poderá fazer como nas assembleias de accionistas, em que uns poucos representam muitos?

Ou seja:

Faziam-se as votações normalmente.
Em consequência dos resultados, estabeleciam-se quais os partidos que teriam assento parlamentar.

Esses, teriam apenas meia-dúzia de representantes presentes no Parlamento, mas cujo voto teria o valor correspondente à percentagem de votos obtida.

Para quê haver mais, se os que pensam pela sua cabeça (e votam em conformidade) se contam pelos dedos de uma mão?

24 de junho de 2007 às 11:28  
Anonymous Anónimo said...

No post de ontem, intitulado «Até que a morte nos separe», uma professora com 62 anos, doente, não consegue a reforma (MESMO COM PENALIZAÇÃO).

Ora, se uma pessoa singular não consegue a "reforma", como é que o NBS quer a "reforma" de uma A.R. com 230?!

Ed

24 de junho de 2007 às 11:40  
Anonymous Anónimo said...

Aleluia ! Desta vez Brederode não dedicou o artigo a atacar figuras do PSD. Limitou-se a elogiar o trabalho de um figurão do PS.
JO

24 de junho de 2007 às 13:13  
Anonymous Anónimo said...

Brederode deixou de ter graça quando o PS se converteu em governo. Aliás, como muita coisa neste país.
A reforma da AR também passa por outras coisas, como a alteração do sistema eleitoral. Varrem-se os pequenos partidos, fica o bloco central de interesses.
Mas mesmo na noite mais escura há sempre alguém que resiste, como dizia o poeta. Haverá!

24 de junho de 2007 às 17:34  
Anonymous Anónimo said...

Todas as semanas, o leitor Jorge Oliveira comenta as crónicas de NBS, o que julgo que este apreciará.
No entanto, de há algum tempo a esta parte, J.O. deixou de comentar o que se escreve para apenas se insurgir contra O TEMA escolhido pelo autor.
Ora, tratando-se de crónicas que são escritas para o «DN» (e não para este blogue), isso é algo que só diz respeito a NBS e ao jornal.

Claro que J. O. tem todo o direito de não gostar que ataquem o PSD(nem do facto de esse ataque ser frequente). Mas esse seu "protesto", feito AQUI (e por vezes em termos que roçam a grosseria), parece-me um pouco - como direi? - descabido.
Quando muito, teria algum sentido (e teria?) numa carta para o Director do «DN».

M. Ramos

24 de junho de 2007 às 20:34  
Anonymous Anónimo said...

Muito obrigado pela atenção que me tem dedicado, caro M. Ramos. Fico satisfeito por alguém ter compreendido como é chato escrever sempre mais do mesmo. Relativamente à “grosseria” não estou de acordo. Não me recordo de ter sido grosseiro com Brederode. Mas se fui, espero que ele próprio elabore o seu protesto e rapidamente lhe apresentarei as minhas desculpas.
JO

25 de junho de 2007 às 07:01  

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