4.7.07

A METÁFORA DE BELARMINO

Por Baptista-Bastos
"SE NÃO AGUENTAS seis assaltos, o melhor é desistires logo à primeira." Disse-me Belarmino Fragoso, com quem pratiquei boxe, no Desportivo da Mouraria. Belarmino era um campeão sem medo; porém, um homem malicioso e sábio. Eu, um rapaz esgalgado e um pouco mais intempestivo do que hoje sou. A frase ocorreu-me, como metáfora, ao ler que José Sócrates, no acto inaugural da Presidência Europeia, entrou, sorrateiro, pelo parque de estacionamento da Casa da Música, a fim de escapar a uma manifestação de protesto.
Digo-o de forma amistosa: Sócrates não resiste a dois assaltos. Posa de leão indomesticável, mantém um semblante grave, mas escapule-se, furtivo, à mais leve suspeita de distúrbio. A pesarosa cena, no Porto, fornece-nos o retrato de um homem que recusa enfrentar os problemas por si próprio criados e que transforma o abstracto numa vitória sobre o concreto.
As pessoas precisam de símbolos de destemor, porque desejam rever-se nessa espécie de silogismo que faz do exemplo uma criação da esperança. Cunhal, Soares, Sá Carneiro, Vasco Gonçalves, vivem nessa matriz. Podemos gostar, ou não, daquilo que foram ou ainda representam. Como diria o meu amigo Luís Pignatelli, boémio e poeta, eles conservavam a nudez de um bom verso que admite todas as rimas. Aceitaram as imprecações e as injúrias, a pressão dos dias e a convulsão de anos tumultuosos, mas nunca se esconderam. José Sócrates pertence à congregação de fugitivos cujos protótipos mais próximos podemos encontrar em António Guterres e em Durão Barroso. O destino que escolheram não resgata o seu absentismo nem acrescenta lustre à mediocridade das suas estaturas.
Todas as coisas vivem sob o império das contingências e movem-se num cortejo de incidentes. É nessas ocasiões, porém, que a consistência de carácter se revela ou se turva. A ética sobrepuja, neste caso, a doutrina, o partido e a fé.
O 25 de Abril pretendeu pôr cobro a todos os medos e terminar com a "distanciação" (lá salta, outra vez, a obscena palavra!) que opunha os governantes aos governados. O fervor de então admitia ser possível defender os homens dos homens, e criar as relações essenciais a um entendimento sem evasivas nem ambiguidades. Os acontecimentos posteriores demonstraram que as alianças sentimentais tinham deixado de ser viáveis.
No Porto, ao desembaraçar-se da maçada de ter de ouvir protestatários no desemprego, José Sócrates ilustrou a metáfora do campeão. Deixou-nos a inquietante suspeição de que ou é tímido, ou medroso, presunçoso ou pedante. E perdeu o momento de demonstrar, a tão egrégios convidados, que o diálogo pode ser o antídoto do ruído.
«DN» de 4 de Julho de 2007 - [PH]

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2 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Acerca do filme referido («BELARMINO») ver, p. ex.:

http://www.amordeperdicao.pt/filmes.asp?filmeid=110

Belarmino Fragoso é entrevistado por Baptista-Bastos

4 de julho de 2007 às 14:39  
Anonymous Anónimo said...

Declaração pública de ontem, 4 Jul 07, da Secretária de Estado Adjunta e da Saúde Carmen Madalena da Costa Gomes e Cunha Pignatelli:

"Há pessoas que têm opinião diferente da minha e, felizmente, vivemos em democracia e num país onde cada um pode dizer o que quer... Nos locais apropriados, nos locais apropriados - não tenhamos vergonha de dizer isto. Eu sou secretária de Estado Adjunta e da Saúde e não posso estar aqui a dizer mal do Governo. Aqui! Mas se estiver em minha casa - garanto que não acontece... - se estiver na minha casa, na casa... nas nossas casas, na esquina do café e com os nossos amigos podemos dizer aquilo que queremos."

Pode-se ouvir e ver ao vivo em
http://www.youtube.com/watch?v=xx3s1reY9Hs

5 de julho de 2007 às 21:48  

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