1.7.07

O HOMEM QUE NÃO SE DEIXA DERROTAR POR SIGLAS

Por Ferreira Fernandes
FERNANDO NEGRÃO meteu os pés pelas mãos com siglas. Disse IPPAR onde era EPUL e trocou esta por EPAL. Para alguns isso era desastre irremediável: "CML, viste-la", prognosticou-se só para chatear o candidato com outra sigla esquisita. Confesso que também eu - depois de me terem explicado que IPPAR era diferente de EPUL e ambas de EPAL - me indignei. Irrita-me que tipos com os meus defeitos me peçam o voto.
Com a maldade própria de filho do povo, pus-me a acompanhar a campanha de Negrão com uma atenção que não reservo a um candidato sem erros. Quando o vi ao lado de Eusébio, esperei nova gaffe. Mas não, Fernando Negrão não disse: "Ah ganda Matateu!" O homem veio de Setúbal mas não confunde as glórias da capital. Pelo menos quando elas se escrevem por extenso.
Estava eu assim, pronto a tratar do assunto como nós gostamos nos cafés - e hoje está proibido nos centros de saúde -, jocosamente, quando o candidato do PSD deu a volta ao texto. Ele era o candidato das gaffes com siglas? Pois da fraqueza fez força e vai ter um cartaz dizendo: "No dia 15 vote nesta sigla - PSD - para pôr ordem nas outras siglas"! Gosto de quem brinca consigo próprio. Para mim, Fernando Negrão passou de KO para OK. E digo-lhe, Fernando Negrão, que a primeira sigla é má e a segunda é boa, por isso está no bom caminho.
Gosto de quem adapta a técnica do jiu-jitsu à vida: aproveitar a força do adversário para o atirar ao chão. O Palácio da Vila, aquele de chaminés esquisitas em Sintra, tem um belíssimo salão a que chamam "das Pegas". A sua história pertence a essa arte de dar a volta por cima.
El-rei D. João I passava o Verão em Sintra e, naquele salão, foi apanhado pela rainha abraçado a uma aia. Que faz?, gritou a rainha. Como nunca tinha visto telenovelas, D. João não conhecia a frase adequada quando se é apanhado pelo cônjuge naqueles preparos: "Não é o que você está pensando, meu bem!". Limitou-se a balbuciar: "Por bem, por bem" Ele fazia aquilo "por bem", o coitado (até os reis o são, apanhados assim). Claro que isso não o livrou da maledicência. As outras aias da rainha (umas, as de 80 anos, por solidariedade com D. Filipa de Lencastre, as outras todas por inveja da que esteve nos braços reais) cuscavam e riam nos corredores do paço. D. João I estava KO.
Pois deixou bater a bola no peito e chutou. Mandou arranjar aquele salão tal como ainda o podemos ver. Fez pintar gralhas (símbolo de grande falatório) ou pegas (símbolo de algo bem menos simpático) - no tecto, 136 triângulos com outros tantos pássaros segurando no bico outras tantas frases: "Por bem." Se Negrão falhar Lisboa, aconselho-lhe Sintra, onde é tradição haver homens que fazem um pedestal com as pedras que lhes atiram.
«DN» de 1 de Julho de 2007 - [PH]
A chamada «sala das pegas», referida na crónica.
Ver também http://blog.cybershark.net/ida/index.php/archives/67, de onde esta imagem foi tirada

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5 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

A propósito de CML e de SIGLAS, já em tempos aqui se referiu uma coisa curiosa:

Quem, querendo informações sobre a CML, for à Internet e escrever www.CML.pt, encontra a página... da Cabral Moncada Leilões - por sinal, perfeitamente adequada aos candidatos que querem rifar património municipal...

1 de julho de 2007 às 09:55  
Anonymous Anónimo said...

Nessa época, era habitual os nobres terem uma divisa (muitas vezes em francês, como o "Talent de bien faire", do Infante D. Henrique), e o «Por bem» era a do rei.

1 de julho de 2007 às 11:20  
Anonymous Anónimo said...

Uma gaffe é uma coisa, não fazer a mínima ideia do que se está a falar é outra, e esse é o caso de Fernando Negrão. Para Lisboa quero mais do que um "Rei" que é apanhado a fazer m..rda e depois "manda pintar" umas coisas por cima para disfarçar!
É o tal talento dos portugueses de serem muito bons a resolver os problemas que eles próprios criam.

1 de julho de 2007 às 13:07  
Anonymous Anónimo said...

Ainda nunca nos explicaram bem (e será preciso?) aquela barafunda em que Negrão, quando Director da PJ, foi apanhado a telefonar para o «DN» a avisar que ia haver uma rusga na U. Moderna!

Face a isso, a barraca das siglas é uma brincadeira (no debate da SIC-N também se referiu à CM Setúbal em vez de CM Lisboa!)

Mas, para mim, o pior é outra coisa:

Uma parte considerável do povo de Setúbal votou nele. Não ganhou, mas o seu papel como representante de quem em si votou não se altera por isso.

E o que é que ele faz (como, aliás, João Soares se preparava para fazer)?
Borrifa-se em quem confiou nele e, a meio do mandato, sem um pedido de desculpas... ala para coisa melhor!

Isso sim, que desprestigia a pessoa em causa, o partido que o propõe e a própria Democracia.
Mas nada que os preocupe, como se vê e já se sabe.

1 de julho de 2007 às 13:19  
Anonymous Anónimo said...

Se pusessem o homem a recitar

EPAL
EPEL
EPIL
EPOL
EPUL

ao menos acertava na 1ª e na última. E já não se poderia dizer que «ele não acerta duas!»

1 de julho de 2007 às 13:41  

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