O VETO DO PRESIDENTE
Por Pedro Lomba
O VETO DO PRESIDENTE à nova lei de responsabilidade extracontratual do Estado deu uma discreta notícia na imprensa. Quase ninguém comentou o gesto. Não faltarão aqueles que, arrumando o assunto, vão ver aqui mais um exemplo da "nova fase" das relações entre Sócrates e Cavaco. Cada um especula como quer. E, no entanto, este veto do Presidente foi até agora talvez o acto mais ilustrativo do seu mandato. Foi também um veto em que o Presidente mostrou infelizmente o seu conservadorismo numa matéria tão essencial como é a responsabilidade civil do Estado.
E sabem porquê? Porque a lei que Cavaco Silva vetou tem a ver connosco, com as nossas garantias contra a arbitrariedade e o desleixo dos poderes públicos. Que o Presidente se tenha oposto a uma lei que anda desde o Governo Guterres para ser aprovada e que agora o foi por unanimidade, é um facto importante e, julgo, sem precedentes. Mas nem isso pesa tanto como o facto de que a lei a que o Presidente disse não se destina a aumentar a protecção dos cidadãos contra acções danosas do Estado. O argumento do Presidente é que ela amplia em excesso as situações em que os particulares podem pedir a sua responsabilidade e, a partir daí, entre outras objecções, aconselhou os deputados a repensarem os seus efeitos numa altura em que o Estado precisa de conter as finanças públicas e há reformas da justiça em curso.
Vou poupar os leitores a detalhes jurídicos aborrecidos. Mas é preciso dizer o seguinte: a lei em vigor em matéria de responsabilidade do Estado data de 1967 e, apesar dos seus méritos, pertence ao contexto de um Estado autoritário em que a responsabilidade era a excepção e não a regra. 40 anos depois, o que mudou? Mudou a Constituição, que aponta para uma responsabilidade abrangente do poder. Mudou o Estado, que passou a intervir onde não intervinha. Mudou a Administração e a sua cultura tradicionalmente tolerante, com o erro funcional e individual. Mudou a justiça, que lentamente se foi confrontando com um mundo de permanente litigiosidade e ao qual ainda não se habituou. E, claro, chegou o dever de nos aproximarmos da Europa.
Só não mudou mesmo a lei de responsabilidade civil do Estado, que permanece insuficiente para proteger uma pessoa de um vasto conjunto de situações de arbítrio. Os imperdoáveis atrasos judiciais pelos quais batemos recordes de condenação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ou o famoso caso Aquaparque são exemplos que a lei actual não contempla como devia. O Presidente teme as indemnizações que o Estado seria forçado a pagar com esta nova lei. Quer se queira ou não, o Estado que administra, julga ou legisla mal terá sempre de pagar o que jamais pagou até aqui. Nenhum argumento "financeiro", por mais sério que seja, pode valer contra isso.
«DN» de 30 de Agosto de 2007 -[PH]
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3 Comments:
Inteiramente de acordo.
Ed
Eu acrescentaria o seguinte: a grande mais valia de uma legislação sobre responsabilidade civil extra-contratual do estado não é sequer, como seria de supor numa primeira tentaiva, a compensação dos cidadãos por danos ilicitamente provocados pelos órgãos, funcionários e agentes do Estado. Se atentarmos, em particular, na função administrativa do Estado, não é preciso ter-se nascido cínico para nos aperecebermos que a A. Pública funciona para si própria e dos seus agentes (por oposição ao interesse público). Graça por toda a parte o favorecimento do amigo e a perseguição do desalinhado. Pois be, além da responsabilidade em primeira linha do Estado, o diploma vetado previa a obrigatoridade do Estado exigir, em regresso, que o funcionário, agente ou titular do órgão decisor repusesse os montantes que o Estado teve de pagar ao administrado. E agora assim estou em condições de dizer qual me parece ser a grande mais valia de uma lei de responsabilidade civil operante e eficaz: é que se antes de cometer mais uma ilegalidade por amiguismo ou ressabiamento, o agente passa a ponderar o risco que isso implica para o seu património. Pois é, A grande mais valia é o efeito anti-corrupção (e a forma mais eficaz de se combater a mediocridade reinante, num total desprezo pelos direitos dos administrados). Não conheço modo mais eficaz de andarmos na linha que irem-nos ao bolso.
Os estados nasceram devido a duas necessidades básicas dos povos: a Segurança e a Justiça.
Se o PR nos vem dizer que um cidadão não pode ser ressarcido dos danos que sofreu (danos esses provocados pela incompetência ou desonestidade de agentes da A.P.) pelo facto de isso poder provocar danos nas finanças públicas e/ou excesso de trabalho nos tribunais... não sei o que pensar!
Ou antes: sei, mas não digo!
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