15.10.07

Corrupção: nome e coisa

Por J.L. Saldanha Sanches
O ESCASSO CRESCIMENTO DA ECONOMIA, o aumento do desemprego, a queda da bolsa estão a deixar toda a gente mal disposta: o regresso do tema “corrupção” é uma consequência dessa má disposição generalizada.
A marca corrupção oferece uma vasta gama de produtos. Uma forma sofisticada de a relativizar é sustentar que a que importa é a que não passa pelos jornais nem é perseguida pela polícia: as operações conduzidas pelos grandes escritórios de advogados fora do âmbito do Código Penal é que constituiriam a verdadeira, a mais preocupante das corrupções.
Há aqui uma meia-verdade incontestável: enquanto grande parte das decisões económicas (Ota ou Alcochete, ligação por alta velocidade ao Porto ou a Madrid para falar das mais visíveis) forem tomadas por decisores públicos e forem decisivas para grandes grupos económicos vamos ter, pelo menos, tráfico de influências. Só podemos exigir mais transparência nas decisões e a sua racionalidade vai depender da maior ou menor pressão da opinião pública.
Logo depois disso vêm as comissões e as percentagens, as derrapagens orçamentais e as revisões de preços quando se começa a passar do tráfico de influência e do lobying (que não pode nem deve ser criminalizado mas que deveria ser regulado) para o gangsterismo político. Juntamente com as revisões das decisões urbanísticas que como já explicou minuciosamente o Prof. Paulo Morais são um negócio tão bom como o tráfico de droga.
Aqui chegámos aos casos de polícia e alguns, uma ínfima parte, vão parar ao banco dos réus. Mas estamos essencialmente perante uma questão política que deve ter a sua solução principal (meter alguma dessa gente na cadeia será sempre indispensável) em mudanças legislativas.
Nunca se serão encontradas soluções legislativas perfeitas mas as leis urbanísticas não têm de ser tão esforçadamente criminógenas proibindo tudo para depois tudo permitir.
No meio de tudo isto temos o laxismo administrativo que começa no atestado e acaba no roubo puro e simples: deveria fazer-se o cômputo daquilo que o contribuinte paga a mais em fornecimentos de serviços públicos ou na compra de artigos para uso administrativo. O ambiente geral é de impunidade e há sempre quem perceba os sinais.
Um dos poucos sinais positivos é a melhoria do controlo fiscal: a inversão do ónus da prova discutível em matéria penal é um princípio geralmente aceite (e por favor vejam o que se passa nos principais ordenamentos jurídicos antes de criticar o nosso!) e desde 1927 (o caso Sullivan) que o Supremo Tribunal norte-americano aceita a tributação dos dinheiros adquiridos de forma criminosa.
Mais vale seguir os bons exemplos nessas matérias que enveredar por inovações perigosas: os países menos corruptos são aqueles onde se estabeleceu um consenso amplo quanto ao equilíbrio entre as liberdades fundamentais (para que estas possam dispor de uma tutela efectiva) e os poderes públicos de investigação.
O berreiro terceiro-mundista que entre nós se ouve sobre os direitos fundamentais é típico de uma comunidade que pretende continuar corrupta.
«Expresso» de 13 de Outubro de 2007

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1 Comments:

Blogger bananoide said...

Parabéns pela forma incisiva e continuada como tem vindo a expôr a forma como a corrupção vive nos mais variados sectores da vida portuguesa.

Admiro-lhe a coragem e a persistência, ainda que isso lhe tenha, por várias vezes, causado dissabores.

Um abraço

16 de outubro de 2007 às 00:35  

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