14.10.07

TENDÊNCIA OUTONO/INVERNO

Por Nuno Brederode Santos

ENTENDEU A DEMOCRACIA PORTUGUESA que a descontinuidade territorial das ilhas e o seu tradicional confinamento periférico aconselhavam a transferência, do poder central para os órgãos localmente eleitos, de muitas competências políticas e administrativas (e dos correspondentes recursos). Ressalvada que está a natureza unitária - velha de séculos - do Estado português, a autonomia regional, pese embora aos inúmeros problemas que acabou por colocar ao País, provou suficientemente as suas virtualidades, não havendo nenhuma corrente política significativa que a ponha em causa. Sobretudo porque se foi aceitando a ideia de que tais problemas eram o produto artificial da ligeireza táctica de alguns dos seus protagonistas locais, insensíveis aos imperativos da coesão nacional, e não o produto natural e necessário da fórmula política e institucional encontrada.

Mas este entendimento foi sendo progressivamente acompanhado por um laxismo irresponsável dos principais partidos e, como corolário disso, da Assembleia da República e dos Governos. A condescendência oportunista foi levando a melhor sobre o sentido de Estado. O PSD, reivindicando constantes alterações constitucionais (ao ritmo da vontade e das ameaças de Alberto João Jardim), como se estivesse inscrito nos astros que a Madeira será sempre por ele governada. O PS, julgando de grande sagacidade ir transigindo sempre nas questões autonómicas como moeda de troca para recusar outras pretensões do PSD. E assim se chegou à situação caricatural de hoje, em que a República mantém nas regiões autónomas representantes que a passos largos caminham para o paradoxal estatuto de seus embaixadores em território nacional. Ou em que, ao contrário do que sucede com o primeiro-ministro, os chefes dos executivos insulares não podem ser demitidos pelo Presidente da República.

A firmeza de Teixeira dos Santos na batalha da lei das finanças regionais foi o primeiro e auspicioso sinal de que finalmente havia vontade política para reafirmar o primado da Constituição e os princípios de um Estado Unitário. Porque, passada a féerie pirotécnica das eleições antecipadas na Madeira, tornou-se visível que Jardim, mesmo tendo resolvido alguns seus problemas internos, não fez qualquer ganho de causa nas questões de fundo da autonomia. Mas entretanto, uma progressiva e sensível alteração do comportamento político de Carlos César foi o primeiro e agoirento sinal de que o jardinismo podia contagiar outras ilhas.

Os episódios recentes da sua visita à Madeira e da visita de Cavaco aos Açores vieram revelar vulgaridade na retórica, aposta no tacticismo, recurso à irresponsabilidade de segundas figuras e desrespeito pelas instituições da República. É verdade que tudo isto se inscreveu num clima de vésperas: a imediata, da discussão do Orçamento de 2008, e a mediata, de eleições regionais em 2008. Mas nada disso justifica a jovial "união de facto" com Jardim; o desbragamento dos discursos do "subsistema de directores gerais" e da "criadagem burocrática continental"; a leviandade das críticas ao Tribunal Constitucional (que vai "contra o espírito da autonomia"); os comentários a palavras do Presidente da República, que, neste particular, se limitou a "ser" o art. 120.º da Constituição, representando "a unidade do Estado" ("a autonomia será o que os açorianos e os madeirenses quiserem" ; e, enfim, uma campanha promocional de imprensa (de que vale a pena salientar "César e Jardim desautorizam Cavaco", com o precioso subtítulo "César ganha cada vez mais envergadura para se projectar politicamente no Continente"). As vésperas só fazem estratégias de oportunismo. E, aliás, já nem foi em vésperas que César quis contrapor à lei do protocolo de Estado um diploma regional, bem chumbado pelo Tribunal Constitucional, no qual a República era preterida em favor dele próprio.

Era importante que os Açores mantivessem a linha tradicional: a de uma sóbria luta pelos seus interesses que não perdia de vista o todo nacional. E um grande contributo para isso seria o Governo e a bancada parlamentar do PS não pactuarem agora, em nome de interesses eleitorais regionais. Como quem diz "depois se vê". Porque a experiência ensina que depois está visto.

«DN» de 14 de Outubro de 2007

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1 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

O eterno discurso do eterno Alberto João já tresanda de mau-cheiro e não tem havido coragem de pôr termo a tal fedor. Faltava agora o César vir proclamar que leu a cartilha e que perfilha os seus ensinamentos. Haja pudor ou proponha-se que os ilhéus se pronunciem sobre a autodeterminação e, assim, se poderá justificar o envio de embaixadores da República, mas não do cacau continental para além dos limites tidos como razoáveis e aceitáveis.

14 de outubro de 2007 às 13:05  

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