UM MUNDO DIVERTIDO

Por Alice Vieira

ANDA-SE PARA AÍ A DIZER CONSTANTEMENTE que este mundo está cada vez mais perigoso.
É verdade.
Mas olhem que também está cada vez mais divertido!
Duas notícias caem diante dos meus olhos e, apesar de me encontrar num lugar público e junto de muita gente, não consigo deixar de rir à gargalhada.

A primeira notícia informa-me que o prefeito de Brasília acaba de assinar um decreto em que proíbe o uso do gerúndio nos documentos oficiais.
A partir de agora, minha gente, nada de “tá andando”, “tá-se fazendo”, “tou chegando” ou dessa moleza que se calhar o clima do planalto propicia. A partir de agora, minha gente, é no duro mesmo: “anda-se”, “faz-se”,”cheguei”, etc. Até porque lazeira tem hora, n’é? E como eu (que ainda há poucos dias de lá voltei) entendo o prefeito de Brasília!…
Não é preciso lá estar muito tempo para se perceber que aquela terra vive toda em ritmo de gerúndio. Vai-se andando, vai-se marcando o que é preciso, vai-se chegando quando se chegar, vai-se fazendo pela vida. E quando alguém de fora tenta impor um andamento diferente, explicam-nos, naquela voz irresistivelmente doce, que não vale a pena a gente correr porque “no final dá tudo certo, e, se não der certo, é porque ainda não é o final”…

A outra notícia, confesso, ainda me fez rir mais.

Então é assim: segundo os jornais informam, o camarada Kim Jong- il (Coreia do Norte) não andava lá muito contente por ter de receber o seu homólogo Roho Moo-hyun (Coreia do Sul). Cumpria o que era necessário, mas nem o mais leve sorriso lhe aflorava aos lábios. Compreende-se, as relações nunca foram muito boas (e isto é o mínimo que se pode dizer…), e o pobre andava mesmo a fazer um grande frete e queria que o seu povo desse por isso.
Um grande líder é assim mesmo.
Só que o camarada Roho Moo-hyun foi mais esperto ou tem um extraordinário conselheiro: vai daí e, entre os presentes que o protocolo estabelece que os estadistas sempre troquem em visitas oficiais, para lá de chás e biombos e mais não sei o quê, ofereceu - leiam bem! - 20 mil DVD’s de filmes que a pujante cinematografia do sul produz e que são, obviamente, proibidos no norte.
A partir daí, o camarada Kim Jong-il foi outra pessoa, e o sorriso de orelha a orelha vem em todas as fotografias.
Palavra que não sei o que devo admirar mais: se a “lata” do visitante ao oferecer filmes que o visitado proíbe que circulem no seu país; se a alegria do visitado, pensando nas muitas horas de bem-aventurança que o visitante lhe ofereceu (proibição é para a ralé…).
Ah, e outra vantagem, esta de muito maior alcance: 20 mil DVD’s dá aí para umas 40 mil horas de espectáculo. Façam lá as contas e - partindo do princípio que nem mesmo Kim Jong-il aguenta ver filmes 24 horas por dia - os coreanos do norte vão ter o seu querido líder entretido durante meia dúzia de anos…
É aproveitar!

«JN» de 14 de Outubro de 2007