10.10.07

E NO ENTANTO MOVE-SE

Por Ferreira Fernandes
ONTEM, algumas estações do metro de Lisboa soavam a um jardim de pássaros. A razão do chilreio: na cidade havia um qualquer encontro para as escolas primárias. Eram centenas de miúdos, em fila, dois a dois e mão na mão. Vi a naturalidade com que miúdos brancos, mestiços e negros se davam a mão. Conheci tempos em que não era assim.
Às vezes não nos damos conta do quanto evoluímos. Num dia de 1958, no campo de touros de Luanda, no comício por Humberto Delgado, uma mulher branca subiu ao palanque e as suas primeiras palavras foram: "Mães negras!" A frase parece sem sentido, hoje.
Há 50 anos, as palavras da médica Julieta Gândara, nacionalista angolana, faziam sentido. Lembravam quem era negado. Em Angola, na minha geração foram raros os brancos que se comprometeram por causa do outro. Na de Julieta Gândara, foram raríssimos. Ela foi presa em 1959 e só saiu de Caxias seis anos depois.
Morreu anteontem, aos 90 anos.
Eu vi a Julieta, ontem, numa estação do metro de Lisboa.
«DN» de 10 de Outubro de 2007-[PH]

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