10.10.07

A DISCUSSÃO IMPOSSÍVEL

Por Baptista-Bastos
TIVE A MINHA RAÇÃO de soberba e de vaidade. Era rapaz novo e presumia - pobre de mim! - ser detentor de um recado original. Puseram-me logo na ordem. E ensinaram-me não haver grande diferença entre o bem e o mal. Aprendi, com o furar dos anos, que nada é igual a outra coisa, embora, por vezes, as semelhanças sejam muitas. Não tomo as pessoas pelo seu valor aparente. Porém, há frases que não podem ser acolhidas com displicente jovialidade. Quando Sócrates retoma a herança cediça do maniqueísmo, e afirma que são do PCP as dezenas de sindicalistas, manifestantes em Montemor-o-Velho [DN, 8 de Outubro, pp] contra a política governamental, terá de admitir, na mesma linha, que serão socialistas e sociais-democratas da UGT os seus apoiantes.
Não vou por aí. A bondade dos bons e a maldade dos maus, como assunto óbvio, não me convence. Talvez por isso algumas almas imaculadas e virginais me chamam de comunista, outras de possuir temperamento difícil e beligerante. Nunca fui complacente com a falta de carácter. É só. Muito antes de muitos outros, e ao longo dos anos, tenho escrito a minha admiração por escritores como Knut Hamsun, Gottfried Benn, Brasillach, Drieu La Rochelle, Ernst Jünger, Lucien Rebatet, uns tantos mais, exceptuando Céline, cujo texto não me suscita a menor emoção. O rol destas leituras foi o bastante para ser acusado de "desconfiável" por "progressistas" do bestiário ideológico, os quais também me apontavam à execração por ser leitor voraz de Trotski. Do lado oposto, demonstrando enternecedora ignorância e aplicando espinoteantes tolejos, vilipendiam-me, ocasionalmente, por nunca ter abjurado da herança moral, legada pelos que não abandonaram a responsabilidade da sua história e jamais cederam à tentação de capitular. Falo de Aquilino, de Óscar Lopes, de Carlos de Oliveira e de Alves Redol, de Adolfo Casais Monteiro, de Jorge de Sena e de Manuel da Fonseca, de Mário Dionísio e de Alexandre Pinheiro Torres. Há mais: estes chegam. De uma forma ou de outra, o marxismo interessou-os como objecto de cultura e de reflexão. Nem todos eram comunistas. Mas todos eram favoráveis a um mundo novo.
Não há erro, há risco e desafio nas escolhas que conciliam as evidências partilhadas com as urgências exigidas pela sociedade. Continuo a preferir Sartre a Aron. Mas não deixo de reler os dois. Derrida, ao reanalisar Marx, escreveu que sem este, sem Freud e sem Einstein, a "cultura ocidental" ficaria gravemente empobrecida. Do génio dos três, judeus e germânicos, resultou o melhor do pensamento europeu dos últimos 150 anos.
José Sócrates pode esconjurar quem lhe convier. Mas não prova que tem razão nem convence ninguém. E, assim, a discussão torna-se impossível.
«DN» de 10 de Outubro de 2007

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