ALGO ESTÁ PODRE NO REINO (E NINGUÉM QUER SABER)
Por João Miguel Tavares
NÃO HÁ NADA como umas leituras de fim-de-semana para o pessoal ficar animado.
Catalina Pestana ao semanário Sol: "Hoje eu sei que no tribunal de Monsanto [onde está a ser julgado o processo Casa Pia] está apenas a guarda avançada - o grosso da coluna está cá fora. Não tenho dúvida nenhuma de que ainda existem abusadores internos na Casa Pia. E tenho fortes suspeitas de que redes externas continuam a usar miúdos para abusos sexuais." E, de seguida, esta extraordinária confissão: "Depois de ver o sofrimento por que passaram os que falaram, se um dos meus netos fosse abusado eu aconselharia os meus filhos a não apresentarem queixa."
João Cravinho à Visão, a partir do seu retiro londrino: "Penso que [a corrupção] é um fenómeno grave, extenso e sem mecanismos de contenção. Alguns dos meus camaradas não são dessa opinião. Foi dos maiores choques da minha vida ver que aquela matéria causava um profundo mal-estar, era como um corpo estranho no corpo ético do PS."
José Rodrigues dos Santos ao Público: "Na minha experiência, os governos contactam as administrações e depois estas passam, ou não, os recados. Ver o poder interferir despudoradamente na informação como eu vi é algo que desmotiva".
Tudo isto concentrado num espaço de três dias é obra - e provoca um arrepio na espinha mesmo em quem está habituado a zurzir nos males da pátria. É certo que a gente desconfia que o processo Casa Pia tem mais buracos do que um queijo suíço; que a corrupção está instalada em Portugal; que os governos interferem na RTP. Mas uma coisa é saber vagamente, desconfiar que deve ser assim, perorar sobre o assunto no café, outra coisa, bem diferente, é ter as pessoas que meteram a mão na massa a garantir que o cozinhado cheira muito mal - e que mesmo assim continua a ser servido. Catalina Pestana foi provedora da Casa Pia. João Cravinho foi deputado e ministro. José Rodrigues dos Santos é um dos mais populares jornalistas da televisão portuguesa. Que esta gente, hoje mais ou menos emprateleirada, venha apontar publicamente os podres do sistema é um sinal deveras preocupante. Não vale a pena estar com paninhos quentes. Num único fim-de-semana, e em três entrevistas diferentes, ficámos a saber que:
1) Os abusos na Casa Pia continuam.
2) A corrupção está tão embrenhada no nosso sistema político que já nem se dá por ela.
3) A independência da RTP é uma ficção.
E para isto só há duas alternativas: continuar a assobiar para o ar ou começarmo-nos a preocupar seriamente com a saúde do regime e da nossa democracia. Se entrevistas destas passam por "coisa natural" é porque, de alguma forma, já chegámos a um ponto de não retorno.
«DN» de 9 de Outubro de 2007-[PH]
Etiquetas: JMT
7 Comments:
Pedro Pinto, no «metro» de hoje, lembra um outro assunto, não menos grave, que está em vias de cair no esquecimento com a cumplicidade da Oposição:
«Passou mais de uma semana desde que algumas escutas telefónicas foram publicadas no semanário
“Sol”. Para os menos atentos, relembro que relatavam conversas que incluíam o primeiro-ministro José Sócrates, Paulo Portas,
Abel Pinheiro, o actual ministro da Administração Interna, Rui Pereira, e um assessor do então Presidente da República, Jorge Sampaio. A ideia de fundo passava por mudar o procurador-geral, Souto Moura, e pelo meio apurar determinadas informações relativas ao “caso Portucale”, em que alguns dirigentes do CDS-PP estavam indiciados. Passou mais de uma semana e nenhum dos intervenientes — a maioria sempre tão lesta a marcar espaço na agenda mediática e a louvar
a independência do poder judiciário — se dignou explicar
o que quer que fosse, mesmo o inaceitável. A credibilidade
da vida política é feita destes episódios: a credibilidade e a falta dela»
JMTavares diz coisa nenhuma. Pegou em três ovos e não teve unhas para fazer omoleta. Ele diz que o Rodrigues dos Santos está "emprateleirado". Mas a RTP não o afastou e o homem aparece todas as noites a fazer o telejornal. Isso é prateleira?!
Mas o pior é a (não) conclusão. Ele diz que não se pode continuar a assobiar para o lado - e o que propõe de concreto? Isto: devemos ficar todos seriamente preocupados. Ora grandessíssima proposta! É mesmo não ter nada para dizer.
O país está podre e quem diz que não, ou não lê as notícias ou não se importa com isso. Tem que ser feita alguma coisa.
A questão das escutas de que o anónimo fala não interessa, por uma razão simples: quando mais se mexe... mais cheira mal. Como é uma questão transversal a vários partidos e os que não estão envolvidos também devem ter (claro) telhados de vidro, parece-me que o melhor para todos é todos ficarem calados.
Quanto ao comentário do todoazedo, a função de um cronista é, por inerência, alertar consciências. E este texto faz exactamente isso. Se o texto em questão não tem uma solução para o problema, vamos ficar todos quietos? Ou estamos à espera que sejam os outros a pensar por nós? Cabe a cada um decidir o que fazer e o trabalho de JMT não é esse seguramente.
(Eu também não dei solução nenhuma, foi de propósito. Eh eh eh...)
O DN de hoje dedica as páginas 4 e 5 ao assunto.
Publicado no blogue «A Grande Loja do Queijo Limiano»:
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Escutas? Que escutas?!
Ontem, no final do Prós e Contras, da RTP1, Rui Pereira e Paulo Portas, foram perguntados pela animadora do programa, sobre os costumes que se podem ouvir nas conversas gravadas no processo Portucale e recentemente transcritas pelo Sol.
Ambos disseram nada, o que é sintomático do conceito particular da democracia que praticam.
Paulo Portas, ainda se desplantou a dizer que não comentaria o teor dessas escutas, porque…”estaria a validar uma ilegalidade “! E Rui Pereira, passou as marcas do desplante ao perguntar mesmo, à animadora: “Escutas? Que escutas?!’”
Esta malta goza connosco, como feitores de quinta abandonada pelo dono. O Povo parece não querer perceber a gravidade destes assuntos e os candidatos a eleições, eleitos e reeleitos e sempre nas listas para as candidaturas de arranjo, já perceberam que reinam na mais completa impunidade popular. Quem manda, sabem eles muito bem, são os partidos. E se eles mandarem nos partidos, o povo vota e acabou a conversa. Satisfações, só na urna. De voto na mão.
Só assim se compreende que mandem os demais curiosos da coisa pública, que também votam, dar uma volta ao bilhar grande. Como ontem fizeram.
Comentando o "post" anterior, publicado em «A Grande Loja do Queijo Limiano»:
À primeira vista, parecer haver algo de extremamente obsceno nesta mania que certos políticos têm de tomar por parvos - precisamente! - os que lhes pagam os ordenados.
Mas, vendo bem, se calhar têm toda a razão...
Em relação a esta falta de pudor de certa classe política em conviver com este descalabro, até hoje nunca consegui perceber se a abstenção às vezes ganha as eleições porque as pessoas têm preguiça de ir votar ou se é porque estão insatisfeitas e o manifestam abstendo-se de ir votar. Se os insatisfeitos votassem em branco estariam não só a exercer um direito que custou a conquistar (às vezes as pessoas esquecem-se disto), como estariam com isso a demonstrar claramente a sua reprovação acerca do actual clima político.
Quanto à questão referida no post àcerca da RTP, novos desenvolvimentos referem que JRS foi suspenso, vai ser alvo de processo disciplinar e despedido, enquanto que a administração já veio desmentir que ele tenha sido suspenso. Uma coisa é certa, a parte do comunicado da RTP em que fala do vencimento e do horário de JRS é do género "tu disseste isto de mim, por isso eu agora vou dizer isto e isto de ti". Ou seja, é pouco credível e muito demagógico. Não é o que se quer da administração da televisão pública.
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