8.10.07

RADARES NA BOCA DO INFERNO

Por Manuel João Ramos
NUMA CIDADE IDEAL, não seriam necessários radares de controlo de velocidade automóvel. Não haveria avenidas transformadas em vias rápidas, condutores guiando como pilotos de fórmula um e peões portando-se como forcados em corridas de touros.
Infelizmente, o sistema viário de Lisboa está longe de ser ideal. É uma resposta atamancada a um problema estrutural profundo: as distâncias casa-trabalho são excessivas e, sem sistema eficaz de transporte público, a cidade acaba sendo invadida por praticamente meio milhão de veículos por dia, que querem entrar e sair depressa do centro desertificado de gente.
O resultado? Lisboa é a capital da sinistralidade rodoviária do país, e os peões são os principais sacrificados. Após anos de incúria, a CML instalou finalmente um sistema de radares fixos com a intenção de fazer reduzir a velocidade automóvel na cidade. Mas esta foi uma medida avulsa, não acompanhada de outras, igualmente urgentes: alteração do sistema Gertrude, de controlo central dos semáforos, introdução de medidas de acalmia do tráfego, alteração do perfil das vias rápidas, expansão do número de faixas BUS, e fiscalização da velocidade pela polícia, recorrendo a radares móveis.
A contra-gosto e à custa de muitos milhares de multas pagas, os condutores foram reduzindo pontualmente a velocidade nas vias onde se instalaram os radares. Sinal positivo deste grande incómodo é o facto de, nessas vias, o número de acidentes graves ter diminuído 78%.
Dir-se-á: tudo bem, mas agora há que encontrar um equilíbrio entre as necessidades de mobilidade e a segurança rodoviária. Por isso, há quem proponha o aumento de velocidade em algumas dessas vias. Terão razão, porque elas foram construídas para circulação a 80km/h e não para 50km/h. Mas, quando lá voltarem a morrer pessoas, como se sentirão aqueles que defenderam a alteração?
Na verdade, não sei o que sentirão, mas estou certo que dirão que a culpa dos atropelamentos que iram ocorrer vai ser dos peões, porque não podem andar atravessar a seu belo prazer vias rápidas. Mas dizer isto é esquecer um pequeno pormenor: que o peão não que atropela automóveis, é o contrário que acontece geralmente. E, por isso, quem pode tem de ser legalmente habilitado a ter uma licença de condução e estar psíquica e fisicamente apto a conduzir é o automobilista. O peão, esse, pode ser até irresponsável, louco, bêbado, cego, ou criança. Basta ter nascido, para ter o direito de ser peão.
E sobretudo esquecem – esquecemos todos, convenientemente -, que uma cidade cujo tecido urbano é rasgado por auto-estradas, não é uma cidade ideal, é uma cidade infernal. A solução, que as multas dos radares conseguirão nunca subsidiar, será um dia transformarmos essas vias rápidas em ruas.

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