19.10.07

O TEMPO POLÍTICO

Por Rui Tavares

1. JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS, o pivô-jornalista da RTP, foi suspenso das suas funções por causa de uma entrevista que deu a este jornal na Pública de passado domingo [7]. Dois polícias visitaram a sede de um sindicato para averiguar sobre os protestos a organizar numa próxima visita do primeiro-ministro.
Escrevo em cima da divulgação destas notícias, e nenhuma delas está inteiramente esclarecida. O que é claro é que há duas formas de lidar com notícias destas. A primeira é a estratégia da “autonomia do plano jurídico”: cada um destes casos tem a ver com o respeito por rotinas, por procedimentos e por uma disciplina interna, e qualquer discurso sobre eles pode ser considerado uma interferência.
Esta foi a estratégia que o governo seguiu quando, há uns meses, surgiram notícias semelhantes sobre o “autoritarismo” em estruturas do Ministério da Educação ou da Saúde. Foi uma estratégia errada então e será uma estratégia errada agora, se voltar a ser seguida.
Em primeiro lugar, estas notícias têm um carácter marcadamente público, e como tal têm um plano político. No plano político, revelam uma tendência de retaliação e vigilância excessiva. E é assim que serão lidas pelo público, e os valores políticos em causa justificam uma posição forte e clara do governo. Se o governo não tomar posição pública sobre elas, será entendido como conivente. Pode alegar que a sua intenção não é essa, mas a esfera pública não vive de intenções, vive de posições.
E há pelo menos um aspecto em que o governo, parecendo ser conivente, correrá mesmo o risco de ser conivente. Trata-se da pedagogia interna para os diversos elos da cadeia de decisão. O governo está no topo dessa cadeia e se não demonstrar que está contra actos de retaliação e vigilância excessiva, estará implicitamente passando a mensagem de que eles lhe agradam. E os escalões inferiores agirão nesse pressuposto, o que é grave e não pode ser aceitado.
A autonomia dos processos deve ser respeitada, mas a mensagem não pode ser apenas essa. Pelo contrário, terá de se acrescentar a ela um aspecto de responsabilização: terão de rolar cabeças se for confirmado que estamos perante um exercício abusivo da autoridade. E o momento para o dizer é agora. O tempo político não se compadece com o tempo jurídico.
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2. REGRESSO AO ASSUNTO das capelanias. Escrevi que só havia duas leituras possíveis da disparidade entre o que está escrito no diploma sobre assistência religiosa nos hospitais e as declarações que sobre ele prestaram os responsáveis católicos: “ou os bispos não souberam ler o diploma, ou induziram o público em erro sobre o seu conteúdo”. Helena Matos levanta uma terceira hipótese, a de que “o diploma de que falavam não era este”. Mas essa hipótese já foi afastada pelo próprio coordenador das capelanias hospitalares, padre José Nuno Ferreira da Silva, em declarações ao Diário de Notícias no passado Sábado. O público foi efectivamente induzido em erro, pelos responsáveis católicos, sobre o conteúdo do diploma.
Quem poderá esclarecer este assunto é o próprio porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, padre Carlos Azevedo, que é um dos críticos mais severos do diploma e que em declarações à agência Ecclesia prometeu para breve um comunicado sobre o assunto. Será a ocasião para explicar as suas declarações de 11 de Setembro passado alegando que o diploma proibia a assistência religiosa fora da hora das visitas e insinuando que ela teria que ser feita pelo pároco da área da residência – duas informações equívocas, para dizer o mínimo.
«Público» de 11 de Outubro de 2007-c.a.a.

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