18.10.07

A QUADRATURA DO CIRCO

Lágrimas de crocodilo
Por Pedro Barroso
VIVER ADRIANO é senti-lo nos momentos que em nós ficaram para sempre na prata da sua voz. Não é aproveitamento de ocasião, por lançamentos ajustados de CDs evocativos. Nestes últimos dias tem-se assistido a isso. Há versões de canções primeiro cantadas por ele que devem demasiado ao seu cristal de voz e ao seu sentido de harmonia e de canção. Sessões comemorativas para que só se convidam alguns, esquecendo outros.
Eu estive nos dois últimos concertos com ele e vi; talvez por isso possa falar e contar melhor. Foram a Festa da Alegria em Braga e o espectáculo no Coliseu de Lisboa, de solidariedade com a Anop, que estava na altura a ser extinta. Muito trabalhou o Paulo Vaz de Carvalho nessa fase... Mas o Adriano dava o mote e todos nós íamos com ele, num canto colectivo que se perdeu.
Foi um homem extremamente simples e bom. Na candura do seu olhar havia mágoa permanente e foi com incredulidade que se viu arredado, nos últimos momentos da sua carreira, da Cooperativa de sempre, a Cantar Abril, ligada ao seu PCP, por expulsão disfarçada de exclusão momentânea.
Os seus últimos concertos foi a antiga Cooperativa Era Nova que lhe arranjou. Amigos…
Morreu oficialmente de acidente esofágico grave. Mas nós, os íntimos sabemos mais, porque vivemos e vimos. Adriano morreu por não aguentar tanta dor e tanta esperança retrocedida. Não é grave soçobrar, quando se é grande e sincero. Beethoven morreu de cirrose e não deixará nunca de ter sido enorme.
Estive em Avintes, chorando por dentro no meu velho jeep Toyota azul. E tanto a natureza como eu molhámos a nossa face por uma perda sentida e prematura. Chovia tanto que fiquei no jeep com alguns amigos, ouvindo a reportagem na rádio e vendo a multidão na porta do pequeno Cemitério, sem tentar sequer entrar.
Houve quem empurrasse e desse tudo para ficar com uma argola do teu caixão, Adriano. Já na altura a farsa começara. Ao que parece, continua o aproveitamento, hoje de uma forma mais pragmática e potencialmente comercial.
Que se vendam muitos Adrianos, claro. Para que o tal cristal eterno da tua voz permaneça na nossa memória de luta e de lembrança. Alguns ainda irão ganhar muito dinheiro com isso. Daí tão badalada celebração.
Os que de nós formos fiéis à tua eternidade ouvimos-te em silêncio, em versões velhas e originais, com o eterno Rui Pato e outros. Em dias nunca pré-determinados, indisciplinadamente. E lembrar-te-emos sempre como parte de um colectivo que se perdeu. E uma furtiva lágrima espreitará.
Não isto.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Fiquei chocado quando numa reportagem da RTP dedicada a Adriano nao foi possivel ouvir uma unica vez o Adriano a cantar. A musica de fundo foi sua, as vozes de outro. A formula magica utilizada com Variaçoes parece estar em voga.

19 de outubro de 2007 às 11:19  

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