Casa Pia - Parte II: Por favor, nós já vimos este filme
Por João Miguel Tavares
NÓS VIVEMOS NUM PAÍS onde a desgraça dá a volta: os problemas demoram tanto a ser resolvidos e continuam a repetir-se tanto tempo depois de serem denunciados que primeiro causam enjoo e depois conduzem à passividade. Às tantas, em vez dos nos indignarmos face ao mal passamos a encolher os ombros, como quem vira a cara ao pedinte que todos os dias nos estende a mão na rua. Mais uma tese sobre o desaparecimento de Maddie?, mais um abuso na Casa Pia?, por favor, mudem a bobina que este filme já vimos. Em casos assim, o mais grave já nem sequer é a culpa morrer solteira ou a justiça ficar por fazer - são as sementes de indiferença que ficam plantadas em nós.
Vejam as notícias. Só mesmo o facto de a nossa capacidade de indignação já estar meio sedada é que pode justificar que as novas suspeitas sobre abusos sexuais entre alunos na Casa Pia possam ser escutadas com este sentimento de tédio, que só será levantado se mais um nome bombástico cair na sopa. Mas convém passar água fria pela cara e fazer as perguntas indispensáveis a quem governa aquela casa e a quem nos governa a nós: Como é possível? Como podem ainda existir funcionários da Casa Pia a angariar miúdos para encontros sexuais? Será que nada de significativo mudou na instituição depois de tudo o que se passou?
É certo que convém não sermos demasiados ingénuos: a pedofilia não desaparece por decreto e é plausível que vários jovens da Casa Pia, depois de violentamente introduzidos nesse circuito, acabem por permanecer nele por opção. Mas não é isso que aqui está em causa. O que está em causa, mais uma vez, é a angariação de miúdos a partir de dentro, com novos Carlos Silvinos a tomarem o lugar do original, como se estivéssemos perante uma organização mafiosa e não uma instituição a cargo do Estado.
Eu sei que o PS, com as suas velhas teorias da conspiração e tendo-se atravessado à grande por Paulo Pedroso, não será o partido mais adequado para lidar com o assunto. Mas, por favor, que alguém tenha olhos e vergonha na cara: um remake do processo Casa Pia seria uma tragédia para a credibilidade das instituições. Se as actuais denúncias se confirmarem, a Casa Pia não pode continuar nos actuais moldes - mude-se tudo, refunde-se, encerre-se, mas faça-se alguma coisa. E para começar, até por uma questão de mero decoro político, corra-se com a actual responsável pela Casa Pia, porque é impensável que Joaquina Madeira ande mais entretida a desmentir denúncias de Catalina Pestana - que pelos vistos eram justas - do que a olhar pelos jovens que tem a seu cargo.
«DN» de 20 de Novembro de 2007-c.a.a.Etiquetas: JMT
3 Comments:
"nós vivemos numa País"
Numa País ????
FR
Obrigado pela chamada de atenção, já corrigi.
A culpa foi minha, ao passar a crónica para o blogue e ao colocar em maiúsculas (como habitualmente) as primeiras palavras.
Mas afinal quando é que metem o Noddy e o Orelhas ao barulho neste esquema da Casa Pia?
E alguma coisa me diz que ainda vamos ver o Ruca e a Dora, com a cara aos pixeis e a voz distorcida, a acusar certas & determinadas pessoas...
Enviar um comentário
<< Home