O "EDUQUÊS" ENVERGONHADO (*)
Por Nuno Crato
(...) O reconhecimento público quase generalizado de que as coisas não vão bem no ensino, em particular da matemática, não tem abrandado o dogmatismo daqueles teóricos da pedagogia que de há anos a esta parte negam a evidência dos resultados e que se esforçam por propagar a «escola inclusiva», as «competências gerais», a «pedagogia não directiva» e o «ensino centrado no aluno». Mas tem obrigado a um maior comedimento nas palavras. Os dislates discursivos que ficaram conhecidos como «eduquês» abrandaram. O sestro não.
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Contudo, como é habitual entre ideólogos dogmáticos, o prélio foi levado ao limite, rejeitando a importância do conhecimento e acentuando competências vagas e palavrosas. A moda alastrou ao ensino superior. Aos professores começou a pedir-se que preenchessem formulários longos em que fossem destacadas as «competências comunicacionais» da Álgebra ou as «competências multiculturais» da Electrónica.
No Ensino Básico, em particular, as «competências» foram de tal forma glorificadas que os documentos oficiais passaram a desprezar o valor do conhecimento em si. Como resultado, as exigências claras e precisas respeitantes aos conteúdos começaram a ser substituídas por referências palavrosas e vagas às competências genéricas. Começou a falar-se do «conhecimento contextualizado» como receita geral, esquecendo a necessidade da abstracção.
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O estado actual do ensino e das escolas, no entanto, necessita de recomendações objectivas e precisas, onde possível especificadas ano a ano. É absolutamente indispensável que os professores e as escolas trabalhem com metas claras.
Significativamente, os vícios da linguagem «não directiva» continuam. Fala-se em «Discutir com os alunos» (...) e nunca em «transmitir conhecimentos». Fala-se em «tarefas que o professor decide propor» (...), ou «pedir» (...) e não se diz que as deve «indicar» ou «mostrar». Para se perceber a profundidade do descaminho linguístico, basta dizer que nem uma única vez nas 77 densas páginas do documento se usa a palavra «ensinar».
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Em contrapartida, insiste-se no uso da calculadora desde o primeiro ciclo. Aquilo que toda a gente sensata vê com facilidade, que é a necessidade de evitar a máquina enquanto se aprende a tabuada e as operações elementares, os ideólogos dogmáticos do «eduquês» não conseguem ver.
As ferramentas modernas, como a calculadora e o computador, devem ser introduzidas no Ensino Básico. E mesmo no primeiro ciclo pode ser conveniente que os alunos comecem a familiarizar-se com estes instrumentos. Mas é absolutamente necessário que os jovens estudantes sejam impedidos de usar a calculadora no momento em que estão a memorizar a tabuada e a treinar as operações. Não se aprende a nadar passeando de barco. A calculadora pode e deve ter lugar na sala de aula, mas quando o professor disser, não quando os alunos quiserem.
As ferramentas modernas, como a calculadora e o computador, devem ser introduzidas no Ensino Básico. E mesmo no primeiro ciclo pode ser conveniente que os alunos comecem a familiarizar-se com estes instrumentos. Mas é absolutamente necessário que os jovens estudantes sejam impedidos de usar a calculadora no momento em que estão a memorizar a tabuada e a treinar as operações. Não se aprende a nadar passeando de barco. A calculadora pode e deve ter lugar na sala de aula, mas quando o professor disser, não quando os alunos quiserem.
O programa de 1991 cometia o erro de dizer que o aluno tem o direito de usar a calculadora sempre que o entender. O novo documento deveria corrigir expressamente esse erro absurdo, ao invés de voltar a insistir no uso indiscriminado da máquina. Mas alguma vez a «nomenklatura» da educação reconheceu algum erro?!
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Assim, por exemplo, defende-se que se aprenda a somar 3 com 4 fazendo «3 + 3 + 1 = 7» (...), a somar 543 com 267 por «somas parciais» (...) e a dividir 596 por 35 por «subtracções sucessivas» (...). Ou seja, em vez de exercitar a memória e treinar directamente os processos mais eficientes, pretende-se prolongar no aluno o uso de métodos de recurso e altamente propensos ao erro.
Ao mesmo tempo que se desprezam os objectivos modestos, mas atingíveis, destacam-se metas utópicas, como a de os alunos serem «capazes de fazer Matemática de modo autónomo», nomeadamente «formular e investigar conjecturas matemáticas» (...), recomenda-se que realizem «investigação matemática» (...). E diz-se que devem «descobrir [...] os critérios de divisibilidade».
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«Expresso», «Actual» - 27 de Outubro de 2007
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(*) Devido à sua extensão, o texto integral desta crónica foi afixado noutro local - [aqui]
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2 Comments:
Uma das coisas mais irritantes na Educação é o 'eduquês'. Que raio de semente colocaram no Ministério (e quem) há uns anos, que produz uma erva daninha, que não há quem a extremine ou descubra o produto para a erradicar. Anos e anos de 'eduquês', que já chateia e cheira mal. Uma linguagem rebuscada, mas oca e bacoca.
Hoje aprende-se a consultar uma tábua de logarítmos (se é que o conceito existe, pois estou há muito desligado dos programas) ou sabe-se extrair a simples raíz quadrada?
Polinómios, sistemas,integrais e outras 'minudências' são calculados nas ditas máquinas?
Também não sou contra as novas tecnologias (até porque poupam tempo na resolução dos problemas), mas não tendo a base teórica (e também alguma prática), o aluno (profissional de amanhã) fica seriamente limitado, desde logo, penso, por não saber exactamente o que está a fazer. Sabe que tem que fazer aquilo. Estarei a exagerar? Espero bem que sim.
Vale bem a pena clicar em baixo, para aceder ao texto todo.
É longo, mas certeiro.
Ed
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