5.11.07

Os Rankings não fazem mal

Por António Barreto
TODOS OS ANOS, a polémica sobre os rankings das escolas é virulenta. Este ano também foi. Mas diga-se a verdade: o barulho é hoje menor do que há cinco ou seis anos. Quer isto dizer que houve algum progresso. Começou a ver-se que a publicação dos resultados não fazia, por si, mal a ninguém. Que informação a mais é melhor do que a menos. E que o conhecimento dos resultados é superior ao segredo.
Mais importante ainda tem sido a publicação, por jornais e revistas (com especial menção para o Público e o Expresso), de estudos e comentários sobre os resultados e os rankings. Tanto sobre os problemas de método como de conteúdo. Alguns dos mais interessantes estudiosos e comentadores sobre temas de educação vieram à praça discutir a questão. Muito se tem aprendido, não só sobre estes métodos de informação e avaliação, as suas vantagens e as suas insuficiências, mas também sobre a missão e a organização das escolas.
Finalmente, por iniciativa de alguns jornais e revistas, os rankings começam a ser apresentados de forma cada vez mais rigorosa e pormenorizada, isto é, com diminuição do sensacionalismo que estas classificações podem proporcionar. Ao mesmo tempo, é possível introduzir os factores de ponderação necessários (como o número de provas e a dimensão da escola), que permitem melhor medir o grau de confiança.
Ainda se ouviram velhos argumentos. Um dos mais impressionantes é o que, contra a lógica e a tradição empírica, diz que não se podem comparar “coisas diferentes”, isto é, escolas. Uma grande escola de Lisboa e uma pequena escola de Vilar de Formoso não se podem comparar! Uma pequena escola rica e privada da Foz ou do Estoril não se pode comparar com uma grande e pobre escola de Camarate ou de Baião. Quem assim fala sugere que só se podem comparar coisas iguais! Ou escolas em situações sociais e geográficas iguais! Parece que a intenção de quem defende este ponto de vista é a de condenar professores e escolas. Com efeito, o objectivo do exercício seria justamente o de comparar “coisas diferentes”, tanto internas como externas às escolas, a fim de perceber tudo o que determina e condiciona a actividade de uma escola, não apenas a actuação dos seus professores. Uma boa ou uma má classificação fica a dever-se a uma multiplicidade de causas, da origem social à qualidade das instalações, dos critérios de gestão ao conforto, dos métodos pedagógicos à valia dos docentes, dos horários à selecção dos alunos, dos equipamentos aos meios disponíveis. Ainda bem que se podem comparar escolas tão diversas! Só assim é possível começar a compreender as causas dos resultados, sejam eles parecidos ou diferentes, sem cair logo na simplicidade de considerar que há apenas uma resposta: uma escola com bons resultados tem bons professores e uma escola com maus resultados tem maus professores.
Outro argumento é o dos que entendem que a publicação dos resultados (e o ulterior estabelecimento de rankings da responsabilidade dos jornais e de grupos de estudos e investigação) é uma estratégia a favor das escolas privadas e religiosas e mais um passo na direcção da privatização de todo o sistema escolar. Que pretendem essas pessoas? Que não se saiba que as escolas mais ricas, com selecção de professores e de alunos, com mais actividades, melhores horários, mais educação artística, mais participação dos pais, mais estabilidade do corpo docente e mais responsabilidades da comunidade têm melhores resultados? Preferem que as desigualdades sociais não sejam conhecidas? Que a segregação social seja um segredo de Estado e não seja do conhecimento público?
Curiosamente, a análise dos resultados e dos respectivos rankings não gera um argumento convincente muito favorável ao ensino privado. Na verdade, aquilo que seria de esperar era uma vantagem esmagadora dos estabelecimentos privados. Têm menos alunos, seleccionam e escolhem os seus alunos e as respectivas famílias, recebem em média entre 300€ e 600€ de propinas por mês e por aluno, seleccionam e despedem livremente os seus professores, situam-se geralmente nas áreas geográficas e sociais onde há classes médias e pais instruídos, possuem melhores edifícios, oferecem mais actividades artísticas e culturais, funcionam com horários alargados, asseguram mais estabilidade do corpo docente e os seus alunos alimentam-se melhor e deslocam-se com mais conforto. Ora, apesar de todas estas vantagens, o ensino privado só é marginalmente melhor do que o público. As escolas privadas são largamente maioritárias nos dez ou quinze primeiros lugares das várias classificações possíveis, mas, desde que olhamos para o panorama de conjunto, as escolas públicas obtêm resultados muito mais interessantes. E a mediocridade também surge profusamente nas escolas privadas.
O que surpreende, nestes resultados e nestes rankings, é o grande número de escolas públicas nos primeiros 50 ou 100 lugares. Em certos casos, segundo as disciplinas e os métodos utilizados, as escolas públicas podem representar mais de 50 por cento das escolas classificadas nos primeiros cinquenta lugares. Surpreendente também é o grande número de escolas privadas nos últimos lugares. Igualmente relevante é o facto de, entre as escolas que mais progrediram nos últimos anos, as que sobressaem são, em proporções iguais, privadas e públicas. Mais: para as principais oito disciplinas do secundário, as diferenças de médias nacionais entre as escolas públicas e privadas são quase marginais. As privadas têm melhores médias em quase todas as disciplinas (nem sequer em todas), mas as diferenças medem-se em décimas, quase nunca num ponto (num total de 20). As diferenças entre médias internas e resultados dos exames, um dos pontos negros destas avaliações, são geralmente tão grandes e visíveis nas escolas privadas como nas públicas. Em três disciplinas, Biologia, Física e História, as médias nacionais são negativas, o que é realmente desastroso. Ora, estas médias são negativas tanto nas escolas privadas como nas públicas!
O que verdadeiramente está em causa é a mediocridade do sistema. A sua inspiração doutrinária. As modas científicas que afectam a pedagogia. O desinteresse das autarquias. A abstenção dos pais. A instabilidade dos docentes. Os conteúdos dos programas. A vulgaridade dos manuais. A falta de autonomia das escolas. De quase todos estes males, sofrem tanto as privadas como as públicas. Mesmo se as privadas conseguem, em certos destes factores, uma melhoria relativa. Seria bom que não nos deixássemos distrair.
«Público» de 4 de Novembro de 2007

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