2.3.08

Direito à preguiça

Por Nuno Brederode Santos
DUAS AFERIÇÕES de opinião vieram revelar, julgo que sem surpresa, o negrume humoral dos portugueses. No quadro global de um ocaso da política, descem protagonistas e instituições, mas também a sustentação e a confiança nos dois partidos ditos de poder (a benefício de ninguém, muito mais do que dos partidos marginais do sistema). O PS terá de depositar as suas esperanças - sejam elas fundadas ou vãs - em medidas de governo que possam recuperar descontentes. O PSD, felizardo, não tem esses problemas: o líder prosseguirá proclamando, em todas as entrevistas e com um ar casual, que "o partido continua a crescer sustentadamente nas sondagens", não tendo sido descoberto, até hoje, nada, no reino dos factos, que lhe tempere a efabulação discursiva. Pior do que isso: quanto pior lhe correm as coisas, mais Menezes se sente livre das mesquinhas grilhetas da verdade. Sentado no seu pequeno astro, le petit prince congemina a invasão da Terra. Agora, o caminho para vir a "desmantelar o Estado" passa por apoios declarados à CGTP, instituição que, como se sabe, é particularmente cara ao imaginário e à história do partido. Falhada a oposição institucional, o PSD quer brilhar na rua à custa alheia. Boa sorte. E boa viagem.
OS INDUSTRIAIS de calçado deslocaram-se a Milão, revelando, pelo menos, a coragem de ir rugir para a caverna do leão. O ministro da Economia, que os acompanha, fala aos jornalistas da qualidade já atingida pelo calçado português. E revela que foi a Itália com o propósito de comprar para si sapatos italianos, mas que os portugueses são afinal tão bons que vai para eles a sua opção de compra. A perplexidade de todos os que cá ficaram já nem reside só na desnecessária confissão de que quem ia ajudar a vender os sapatos nada sabia sobre eles. Reside, sim e sobretudo, neste singular marketing da piscadela de olho e da cotovelada cúmplice, a revelar aos jornalistas - comitiva à qual os patrões obviamente pagam para ser uma confidente discreta dos governantes - que o ministro encoraja os outros a comprar o que ele recusa. Se Menezes se afirma, cada vez mais, como o aliado estratégico de Sócrates, Manuel Pinho é, cada vez mais, o seu aliado táctico. Uma lição para quantos (como eu) não entenderam como foi possível que uma mexida no Governo não o incluísse. Subestimámos a função em que ele tem sido insubstituível: quando há assuntos sérios debaixo de fogo na rua, solta-se o ministro da Economia na jaula dos jornalistas. O improviso dá manchete e os problemas vão parar à página 4 de qualquer jornal que se preze. Um sucesso.
NO MEIO de uns singulares arrufos entre Ministério Público e Polícia Judiciária, descobrem os cidadãos ser problemático que personalidades do Sul ou do Centro sejam destacadas para exercer funções no Norte (o vice-versa é provável, só que ainda não foi testado). A Madeira já nos tinha feito sentir o seu desagrado pela nomeação de uma magistrada ida do "continente". Além de, ao que leio, Jardim querer ter competências regionais de Cavaco e Sócrates ao mesmo tempo. E só a preguiça me impede de dar mais uma dúzia de exemplos. Na primeira volta do caminho, cai-nos em cima a Sicília ou, bem pior, a Padânia. O País Basco e a Catalunha. A peregrina ideia do Kosovo também ajuda nisto. Se a ideia é virmos a referendar, em próxima legislatura, a regionalização, talvez, por este andar, não seja necessário, por ela estar já feita no terreno. Poupam-se receios, incertezas e melindres. Um sossego.
UM MÉDICO declarou que o comando remoto do televisor é amigo da obesidade. Em condições normais, a notícia bem podia sulcar as águas mansas da minha total indiferença. Mas agora, ferido de asa, inquieta-me logo a ideia de isto galvanizar o Chico George (desculpa lá o mau jeito). Sou um sexagenário inactivo. Estou mais cheiinho, mas (ainda) não sou obeso. Deixem-me lá continuar a usar o meu comando, sem ter de alçar as nalgas da poltrona. Só faço isso na minha casa, garanto.
HOJE deu-me para isto: folhear a agenda. Sou um lafargueano sem cura nem emenda.
«DN» de 2 Mar 08

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