2.3.08

Milagres em cadeia

Por Alberto Gonçalves
O dr. Alberto Costa não explicou porque é que a adesão nula a uma iniciativa declarada indispensável constitui uma boa notícia.
EM OUTUBRO DE 2007, o ministro da Justiça apresentou o programa experimental de troca de seringas nas prisões como "uma medida de saúde pública". Não era para menos. Segundo as contas do dr. Alberto Costa, 30% da população prisional (ou seja, cerca de quatro mil pessoas) sofria de doenças infecto-contagiosas e, presumiu-se, importava preservar as restantes oito mil de igual sorte. Além disso, adiantou o governante, os seis mil felizardos libertados a cada ano não seriam tão felizardos assim, já que, por obrigação estatística, 30 por cento também padeceriam de sida e maleitas menores, que arriscavam disseminar pelos dez milhões que vivem do lado de cá das grades.
Em Fevereiro de 2008, apurou-se que, dos 1500 detidos em Lisboa e Paços de Ferreira abrangidos pela troca de seringas, o número total de aderentes ao programa foi zero. Zero. Ouvi na TSF os jornalistas informarem o dr. Alberto Costa acerca do zero. Imaginei o homem a imaginar um contágio à escala nacional de imparáveis vírus e temi o pior: que ele tivesse uma apoplexia, que desatasse a chorar, que saísse a correr e aos gritos, até que (em desespero) se demitisse. Em vez disso, voltou-se para os microfones e respondeu: "É uma boa notícia."
O dr. Alberto Costa, que é ministro e por definição será conhecedor do que escapa à ralé, não explicou porque é que a adesão nula a uma iniciativa declarada indispensável constitui uma boa notícia. Pelo que é legítimo especularmos. Se calhar, descobriu-se que, ao invés do que se julgava, nenhum preso está ou esteve doente. Ou então obteve-se, em recato, a cura milagrosa de todos. Ou deixaram de consumir drogas. Ou faleceram entretanto. Ou constatou-se que as seringas afinal não transmitem doenças. Ou decidiu-se contagiar os presidiários a título de penalização indirecta. Ou gastou-se o orçamento das seringas em propaganda e apenas sobrou dinheiro para três kits completos e dois pouco usados. Ou a fulgurante necessidade da medida, à semelhança do que sucede com tantas outras, esgotou-se no exacto e pomposo momento do respectivo anúncio, o dr. Alberto Costa já nem se recordava de tamanho delírio e, confrontado agora pelos jornalistas, disse o que lhe veio à cabeça.
A última hipótese é, evidentemente, absurda. Eu aposto na cura milagrosa.
«Dias Contados» (I) - «DN» de 2 Mar 08 - c.a.a.

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