Onde a Carta ao Director passa a crónica de última página
Senhor Director
Juro que esta é uma vez sem exemplo, palavra que eu não torno. Vosselência sabe bem que eu não me meto na política, que a minha política é o trabalho. Mas esta semana, vez sem exemplo, palavra que eu não torno, sinto este irresistível apelo de escrever sobre política.
Não pretendo, creia-me, substituir-me a Vosselência, nem competir com V. ilustres confrades desse género difícil e ingrato que é análise política, tanto mais que tal tarefa exige muitos conhecimentos, excelsa perspicácia, grande isenção e informação actualizada (à qual nem sequer disponho de acesso).
O meu impulso, esta semana, seria contribuir através do espaço que Vosselência me concede para fazer uma sugestão que provavelmente pode não ter ainda ocorrido a quem de direito. Não queria, portanto, alinhar na crítica a este Governo do professor Cavaco, nem tão-pouco fazer coro com aqueles que, por razões igualmente respeitáveis, o apoiam. O que eu gostaria, Senhor Director, era que Vosselência me autorizasse a fazer aqui a minha sugestão para o bem do nosso querido Portugal.
É certo que o Executivo actual pode muito bem arranjar um novo fôlego neste intervalo que vai até ao fim do campeonato do Mundo de Futebol. Poderão o professor Cavaco e seus rapazes fazer o que entenderem, que as pessoas só vão dar por isso em Outubro. E nessa altura vão ficar entretidas com o entra-não-entra do general Eanes no PRD e o Governo poderá dar uma segunda demão na sua maquilhagem para disfarçar as rugas que hoje já começam a aparecer.
No entanto, não é nada disto que quero dizer. Em política não me meto, a minha política é o trabalho. Eu só pretendo fazer uma sugestão a quem de direito, para bem do nosso querido Portugal. E palavra que é uma ideia que me ocorre há muito, mas que, face ao Campeonato do Mundo, ganhei coragem de apresentar a Vosselência.
Já reparou, Senhor Director, em quem treina a selecção de Marrocos? Anotou, Vosselência, quem diz ao Abder Karim como deve rematar? Pois claro que Vosselência reparou - é o meu amigo José Faria, um brasileiro, que em árabe nem é capaz de dizer «Salaam alekum».
E notou também, Senhor Director, quem treina a selecção do México? Claro que sabe que é um jugoslavo.
E pensou Vosselência onde jogam o Platini da França, o Boniek da Polónia, o Madjer da Argélia e o polaco dos bigodes que é guarda-redes, além dos dinamarqueses todos da Dinamarca?
É evidente que Vosselência sabe. Eles jogam na Itália, na Bélgica, em França e no Porto e em tudo que é sítio menos nos países deles.
Claro que aqui podia haver críticas, inspiradas na Administração Reagan, que não poupa aos cubanos que jogam em Angola, ou aos soviéticos que reforçam a equipa em Cabul no Afeganistão. Mas não há. Para disfarçar, estes jovens futebolistas vão de cooperantes para outros países, mas com contratos melhores do que aqueloutros pagos pelo PNUD, pela UCTAD, UNICEF, UNESCO, FAO e outros organismos internacionais.
Portanto, deste modo, estão afastadas as suspeitas de internacionalismo proletário, que ficam só para os cubanos e soviéticos, e é bem feito, para eles não se meterem onde não são chamados.
Mas de política eu cá não percebo nada, nem quero perceber, a minha política é o trabalho. O que eu quero é fazer uma sugestão a quem de direito para bem do nosso querido Portugal.
Reparou também o Senhor Director que nós por cá vamos buscar estrangeiros para nos ajudarem no desporto. Temos americanos no basquetebol, todas as nacionalidades no futebol, exportamos hoquistas, enfim, aderimos com naturalidade a esta prática universal.
A minha ideia, portanto, Senhor Director, para Vosselência aproveitar como melhor entender e fazer chegar a quem de direito, é a seguinte:
Se importamos quem nos faz falta no desporto, porque não fazemos o mesmo na política?
Com um bom contrato, por dois anos, que os governos também não duram mais do que isso, nós podíamos cá ter quem nos ajudasse a superar as nossas dificuldades, e trabalhasse para o bem do nosso querido Portugal.
Dependeria da Assembleia da República limitar, ou não, o número de estrangeiros. Mas poderíamos assim permitir ao professor Cavaco Silva que, quando os Portugueses acordassem, em Outubro, encontrassem um novo elenco.
Quero eu dizer - que não percebo de política, a minha política é o trabalho - que, se o professor Cavaco aproveitasse esta ideia, poderia estar a preparar-se para a próxima época.
Que me diz o Senhor Director a uma remodelação que metesse no Governo, como vice-primeiro-ministro, Adolfo Suárez, de Espanha, e como ministro dos Negócios Estrangeiros Henry Kissinger, dos Estados Unidos, tendo o ministro das Finanças e do Plano Helmut Schmidt, da RFA?
Ou se preferir, porque não poderíamos abusar do número de estrangeiros, Giscard D' Estaing vice-primeiro-ministro - o primeiro-ministro seria sempre o professor Cavaco, bem entendido -, Pierre Trudeau nos Negócios Estrangeiros, Willy Brandt na Cooperação, James Carter na Agricultura?
Não acha o Senhor Director que esta é uma boa ideia?
É ou não é uma ideia construtiva, que só poderia beneficiar o nosso querido Portugal? Cá por mim não hesitava. Mas isto é com quem de direito. Eu destas coisas não percebo nada. A minha política é o trabalho.
Juro que esta é uma vez sem exemplo, palavra que eu não torno. Vosselência sabe bem que eu não me meto na política, que a minha política é o trabalho. Mas esta semana, vez sem exemplo, palavra que eu não torno, sinto este irresistível apelo de escrever sobre política.
Não pretendo, creia-me, substituir-me a Vosselência, nem competir com V. ilustres confrades desse género difícil e ingrato que é análise política, tanto mais que tal tarefa exige muitos conhecimentos, excelsa perspicácia, grande isenção e informação actualizada (à qual nem sequer disponho de acesso).
O meu impulso, esta semana, seria contribuir através do espaço que Vosselência me concede para fazer uma sugestão que provavelmente pode não ter ainda ocorrido a quem de direito. Não queria, portanto, alinhar na crítica a este Governo do professor Cavaco, nem tão-pouco fazer coro com aqueles que, por razões igualmente respeitáveis, o apoiam. O que eu gostaria, Senhor Director, era que Vosselência me autorizasse a fazer aqui a minha sugestão para o bem do nosso querido Portugal.
É certo que o Executivo actual pode muito bem arranjar um novo fôlego neste intervalo que vai até ao fim do campeonato do Mundo de Futebol. Poderão o professor Cavaco e seus rapazes fazer o que entenderem, que as pessoas só vão dar por isso em Outubro. E nessa altura vão ficar entretidas com o entra-não-entra do general Eanes no PRD e o Governo poderá dar uma segunda demão na sua maquilhagem para disfarçar as rugas que hoje já começam a aparecer.
No entanto, não é nada disto que quero dizer. Em política não me meto, a minha política é o trabalho. Eu só pretendo fazer uma sugestão a quem de direito, para bem do nosso querido Portugal. E palavra que é uma ideia que me ocorre há muito, mas que, face ao Campeonato do Mundo, ganhei coragem de apresentar a Vosselência.
Já reparou, Senhor Director, em quem treina a selecção de Marrocos? Anotou, Vosselência, quem diz ao Abder Karim como deve rematar? Pois claro que Vosselência reparou - é o meu amigo José Faria, um brasileiro, que em árabe nem é capaz de dizer «Salaam alekum».
E notou também, Senhor Director, quem treina a selecção do México? Claro que sabe que é um jugoslavo.
E pensou Vosselência onde jogam o Platini da França, o Boniek da Polónia, o Madjer da Argélia e o polaco dos bigodes que é guarda-redes, além dos dinamarqueses todos da Dinamarca?
É evidente que Vosselência sabe. Eles jogam na Itália, na Bélgica, em França e no Porto e em tudo que é sítio menos nos países deles.
Claro que aqui podia haver críticas, inspiradas na Administração Reagan, que não poupa aos cubanos que jogam em Angola, ou aos soviéticos que reforçam a equipa em Cabul no Afeganistão. Mas não há. Para disfarçar, estes jovens futebolistas vão de cooperantes para outros países, mas com contratos melhores do que aqueloutros pagos pelo PNUD, pela UCTAD, UNICEF, UNESCO, FAO e outros organismos internacionais.
Portanto, deste modo, estão afastadas as suspeitas de internacionalismo proletário, que ficam só para os cubanos e soviéticos, e é bem feito, para eles não se meterem onde não são chamados.
Mas de política eu cá não percebo nada, nem quero perceber, a minha política é o trabalho. O que eu quero é fazer uma sugestão a quem de direito para bem do nosso querido Portugal.
Reparou também o Senhor Director que nós por cá vamos buscar estrangeiros para nos ajudarem no desporto. Temos americanos no basquetebol, todas as nacionalidades no futebol, exportamos hoquistas, enfim, aderimos com naturalidade a esta prática universal.
A minha ideia, portanto, Senhor Director, para Vosselência aproveitar como melhor entender e fazer chegar a quem de direito, é a seguinte:
Se importamos quem nos faz falta no desporto, porque não fazemos o mesmo na política?
Com um bom contrato, por dois anos, que os governos também não duram mais do que isso, nós podíamos cá ter quem nos ajudasse a superar as nossas dificuldades, e trabalhasse para o bem do nosso querido Portugal.
Dependeria da Assembleia da República limitar, ou não, o número de estrangeiros. Mas poderíamos assim permitir ao professor Cavaco Silva que, quando os Portugueses acordassem, em Outubro, encontrassem um novo elenco.
Quero eu dizer - que não percebo de política, a minha política é o trabalho - que, se o professor Cavaco aproveitasse esta ideia, poderia estar a preparar-se para a próxima época.
Que me diz o Senhor Director a uma remodelação que metesse no Governo, como vice-primeiro-ministro, Adolfo Suárez, de Espanha, e como ministro dos Negócios Estrangeiros Henry Kissinger, dos Estados Unidos, tendo o ministro das Finanças e do Plano Helmut Schmidt, da RFA?
Ou se preferir, porque não poderíamos abusar do número de estrangeiros, Giscard D' Estaing vice-primeiro-ministro - o primeiro-ministro seria sempre o professor Cavaco, bem entendido -, Pierre Trudeau nos Negócios Estrangeiros, Willy Brandt na Cooperação, James Carter na Agricultura?
Não acha o Senhor Director que esta é uma boa ideia?
É ou não é uma ideia construtiva, que só poderia beneficiar o nosso querido Portugal? Cá por mim não hesitava. Mas isto é com quem de direito. Eu destas coisas não percebo nada. A minha política é o trabalho.
Lisboa, 1987
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