A paralisia do poder
Por J.L. Saldanha Sanches
NUM ESTADO ORGANIZADO PELO DIREITO é necessário encontrar uma forma de moderar e limitar os excessos e abusos e do poder: são os mil vezes decantados checks and balance ou o sempre citado Montesquieu: le pouvoir arrête le pouvoir.
Para nós nada disto é suficiente: o fim constitucional é que o poder paralise o poder.
É impossível conseguir que os resíduos tóxicos deixem de ser exportados para Espanha e sejam incinerados em Portugal sem uma interminável peregrinação judicial. Se depois de inúmeras delongas um ministério toma a medida cruel mas indispensável de dispensar funcionários sem quaisquer funções, logo vem um tribunal competente suspender a medida.
Reestruturar a máquina administrativa, tomar medidas eficazes contra a corrupção (na hipótese improvável dos senhores deputados estarem interessados nisso) ou fazer seja lá o que for, emperra numa fila interminável de estruturas paralisadas e paralisantes que remetem a decisão de umas para as outras.
Numa economia em crise, os instrumentos jurídicos que servem a captura de receitas e que procuram obter mais do Estado ou para criar com actividades à volta do Estado, parecem ser a única fonte de salvação.
Não teríamos criado um sistema de providências cautelares que permitem a qualquer bicho-careta impedir uma decisão pública se a presciência dos juristas não visse nessa possibilidade de decisão judicial uma pingue fonte de receitas.
Não teríamos aquela inacreditável emaranhada teia de leis sobre o urbanismo, que o Prof. Paulo Morais tem denunciado incansavelmente, se disso não brotasse o maná dos direitos adquiridos e das acções e pareceres sobre direitos adquiridos a demonstrar que existem como a forma moderna das minas de Potosi.
Podemos ver em directo o afã com que os advogados que também são deputados fazem nascer aquela nova Lei da Responsabilidade Civil do Estado para criar novas vias de ataque ao depauperado bolso do contribuinte.
O raciocínio parece ser este: se falhamos como legisladores, aprovando lei tão aleijadas que criam ao Estado o dever de indemnizar, ao menos a profissão forense a que com muita honra (e proveito) pertencemos terá diante de si novas vias e novas formas de enriquecimento (sem causa).
Tudo isto seria muito bom se não tivesse um preço: infelizmente tem. É o IVA a 21% e o défice do orçamento.
Perante esta paralisia da decisão pública, os esboços de autoritarismo governamental não são, como já foi ridiculamente sustentado, uma qualquer forma de fascismo. Já se esqueceram o que era o antigo regime? O que explica as manifestações de autoritarismo discursivo que por aí se vêem são a sensação de impotência de quem verifica que nada funciona e que nada se pode mudar.
Poder-se-á mudar o sistema de urgências e de transporte de doentes?
Só com o beneplácito dos senhores bombeiros voluntários com o seu sistema de pluri-emprego e o patrocínio entusiástico do sobado autárquico.
A proibição absoluta de mudar seja o que for é primeiro princípio do ordenamento jurídico português.
«Expresso» de 23 Fev 08 - http://www.saldanhasanches.pt/
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