24.5.08

Habituar-se ao xadrez

Por Antunes Ferreira
HOJE, SE MO PERMITEM, aqui vai uma crónica que retrata momentos vividos pelo escriba. Já tenho idade para reviver memórias. Por mais que pareçam enterradas no mais recôndito da massa cinzenta. O que não é o caso. Esta, chegou-me à superfície, por mor de um mail que me foi enviado por um Amigo. Passo a contar, sucinta e brevemente.
.. Aqui há uns anos, 14, mais coisa, menos coisa, cometi a maior asneira da minha vida: acompanhei o falecido Sousa Franco (meu colega desde o Liceu Camões até à Faculdade de Direito) quando este foi nomeado por Guterres para Ministro das Finanças. Como seu Assessor de Imprensa e Director do Gabinete de Comunicação Social.
.. Aventura estulta que me haveria de conduzir a um pesadelo chamado depressão bipolar. Duvidam? Conto. Uma tarde quente de Verão – os meus colegas de profissão andavam atrás de uma estória interessante para o Estio sempre falho de notícias de parangona – vieram perguntar-me se era verdade que o Pinto da Costa propusera ao Ministério um acordo para resolver as dívidas que o FCP tinha ao Fisco e à Previdência.
.. Dizia-me a Marina Ramos, então na TSF, que corria, pensava que com fundamento, que o presidente do clube portuense teria avançado com a ideia de entregar o estádio das Antas para poder dar cumprimento à Lei Mateus. Face à insistência dela e de mais uns quantos, e porque me era desconhecida tal diligência, fui ao gabinete do Ministro perguntar-lhe o que haveria de verdade e se podia declarar alguma coisa à Comunicação Social.
.. Estava Sousa Franco em reunião de trabalho com o então Secretário de Estado das Finanças e do Tesouro, Fernando Teixeira dos Santos, hoje titular da pasta, e com a Secretária de Estado do Orçamento, Manuela Arcanjo. Naturalmente que estes ouviram a minha pergunta.
.. O Ministro, depois de lhe ter colocado a questão, disse-me que eu poderia informar os jornalistas de que houvera uma proposta do Futebol Clube do Porto, mas que eu não especificasse os termos dela, pois poderia incorrer na quebra do sigilo fiscal. Sacrossanta figura, acrescento eu, agora, ultrapassada e comentada por dá-cá-aquela-palha… De resto, e para além do que me era autorizado, eu não sabia rigorosamente mais nada do assunto.
.. Comuniquei isso mesmo à Marina, que comigo trabalhara na TSF e até fora colega na Faculdade de Direito do meu filho mais novo. Ela ficou eufórica e pediu-me para fazer a declaração em directo. Acedi. Foi o detonar de uma crise complicadíssima. As televisões, os jornais, mais rádios caíram-me literalmente em cima e tive de dar uma improvisada «conferência de Imprensa» para que uns não tivessem mais do que os outros.
.. À noite, estoirara uma verdadeira bomba de neutrões. O FCP propusera «alguma coisa» para entrar nos eixos fiscais. Mais não podia dizer, acentuara eu, sobre o assunto, pois o Ministro apenas assim mo dissera, e o segredo fiscal não se podia… revelar. Se não, deixava de ser… segredo.
.. Pinto da Costa chamou-me, em tudo que era sítio, mentiroso com todas as letras, além de anti-portista primário. Singularmente, e em simultâneo, anunciou que o clube a que presidia cortava relações com o Ministério das Finanças. Gato escondido, no mínimo. E, crème de la crème, exigiu a minha cabeça numa bandeja, tal como a do São João, não o popular portuense, mas o Baptista. Está gravado, está escrito, sobretudo em jornais nortenhos, nomeadamente no JN.
.. Naturalmente, e porque Sousa Franco divulgara uma nota a dizer que da parte do Ministério nada mais se declararia – mas não confirmava o que me autorizara, perante testemunhas, repito, a dizer, pus o meu lugar à disposição e, dias depois, era colocado na Comissão Euro do MF, para participar na divulgação da moeda única. Pinto da Costa ditava – e o Poder não respondia. Pergunto hoje, como então me perguntei: onde estaria, realmente o poder?
.. O que sofri, calado, (na política a corrente parte sempre pelo elo mais fraco) foi de tal ordem que, meses depois, já não andava com a cabeça no seu lugar. Passaram outros e a depressão avançou como cavalo com o freio nos dentes. Muitos elementos da Comissão o testemunharam.
Adiante. Cinco anos de martírio e seis psiquiatras. Só encontrei o fim desse longuíssimo pesadelo na pessoa da Dr.ª Alice Nobre, a que hoje me ligam enormes laços de Amizade e a quem chamo a minha Santa da Ladeira. E, no fundo, houvera mesmo a famigerada proposta do presidente do FCP. Era o que os juristas configuram como dação em pagamento.
.. Termino. A mensagem informática que me chegou rezava em quatro linhas: «Parece ganhar consistência a informação veiculada pela imprensa vespertina do Puôrto que informa que Pinto da Costa terá acabado de adquirir uma parte significativa das acções da SAD do Boavista para se ir habituando ao xadrez...» É mazinha, mas tem piada. Pelo menos, para mim, tem.
.. Não desejo, normal e habitualmente, mal a ninguém. Bem pelo contrário. Porém…

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9 Comments:

Blogger Jorge Oliveira said...

Esta história é exemplar e o autor fez muito bem em revelá-la para que se perceba melhor a influência de certa gente que não vai a votos mas que tem muito poder na condução da coisa pública, como é o caso de Pinto da Costa e outros.

Relativamente ao que sentiu pela forma como foi afastado das suas funções, era interessante e talvez lhe trouxesse algum conforto, o autor informar-se acerca do que se passa nas empresas públicas e instituições do Estado, relativamente àquele método muito socialista de gestão de pessoal, que é a colocação, em “prateleira”, dos adversários políticos, ou mesmo de militantes ou simpatizantes do próprio partido que não possuam a necessária predisposição para lamber as botas ao director, ou que, nalgum dia azarado, tenham feito uma observação crítica a qualquer das putativas sumidades que se julgam donas da empresa. E do país, já agora ...

A sensação de quem é atingido por esse drama é de uma perfeita inutilidade, de impotência, de perda de dignidade. Muitos não aguentam, vão-se abaixo e ficam transformados em verdadeiros farrapos humanos. Nem todos são obrigados a ter a resistência suficiente para ultrapassar a situação sem sofrer depressões, nem ter de recorrer a psiquiatras, como aqui conta o autor do texto.

24 de maio de 2008 às 14:34  
Blogger Jorge Oliveira said...

Já agora, gostava de acrescentar o seguinte :

Pelo que depreendo, o autor é profissional da comunicação social. Talvez não lhe seja difícil procurar informar-se acerca do que, em matéria de “gestão” socialista de pessoal, se passa em empresas como a EDP, REN, Galp, PT, CGD, e outras onde o Governo tem uma influência preponderante na nomeação dos conselhos de administração e onde se observam as movimentações que levam à existência, dentro dessas empresas, de verdadeiras sucursais partidárias destinadas a garantir a atribuição de cargos saborosos aos respectivos militantes e consequente afastamento dos adversários para as habituais prateleiras.

Com uma particularidade. Trata-se de um jogo viciado. Dos dois partidos que se alternam no Governo, só o PS mantem estruturas organizadas dentro das empresas. O PSD não tem absolutamente nada. Os TSD não são coisa nenhuma. Só servem para garantir ao Arménio Santos um lugar elegível, desde há muitos anos, nas listas para a Assembleia da República. Por muito que isso custe a acreditar. Se alguém quiser refutar, estou à disposição. Não foi por acaso que, ao fim de dez anos de militância, devolvi o cartão do PSD. Estava farto de desorganização.

Para dizer a verdade, nunca ninguém, na direcção do PSD, se importou com a sorte dos seus militantes nas empresas sujeitas à disputa partidária. Os “barões” do PSD estão-se nas tintas para as bases. Só servem para colar cartazes e agitar bandeirinhas nos comícios. Por isso, quando está no Governo, o PSD apenas actua ao nível dos conselhos de administração, deixando os outros militantes das empresas à mercê das estruturas do PS. Nunca a direcção do PSD se preocupou em ter estruturas de trabalhadores que, no mínimo, servissem de contraponto às estruturas do PS. Não surpreende que o PS, desde há dezenas de anos, venha mandando tranquilamente nessas empresas. Se está no CA é um fartar vilanagem. Até dividem departamentos para criar mais cargos de chefia. Se não está no CA nem por isso deixa de pôr o seu pessoal de confiança nos cargos de chefia, desde administradores de empresas subsidiárias a directores de qualquer escalão.

Ainda não percebi se os actuais candidatos à presidência do PSD têm consciência disto. Se têm, é grave que não anunciem medidas para reorganizar o partido.

24 de maio de 2008 às 15:06  
Blogger Antunes Ferreira said...

Jorge Oliveira:

Agradeço-lhe os comentários. É sempre bom saber que somos lidos. E que nos acompanham.

Deixe-me que lhe diga que os seus considerandos, sendo pertinentes, não referem, acentuadamente, as indiciadas malfeitorias do Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, arguido e réu constituído na Justiça, a nível do Criminal, e punido, sem ter recorrido (?), pela Justiça Desportiva.

O comportamento desse Senhor parece ser pouco recomendável - na generalidade. Mas no que concerne ao que teve para comigo é inqualificável.

Foi isso, principalmente, que me deixou prostrado; foi, sobretudo disso que me consegui libertar, graças à Alice Nobre e aos apoios de minha mulher, dos meus filhos e respectivas famílias e de Amigos. Por isso que ele me fez e pelo medo inaceitável do Poder em afrontar o Sr. PC.

Esta atitude de um Governo e - lamento-o, mas tenho de o dizer - de um Amigo de muitas décadas que dele fazia parte, foi tão-só uma agravante. Sousa Franco já não consta do rol dos vivos. Por isso, não teço mais comentários e passo adiante.

É então que agora ouço, incrédulo, o Sr. Pinto da Costa dizer que a «Justiça divina» o absolverá. A existir, O Deus que invoca, terá, por certo, muitas outras preocupações...

Se este País (ainda) for a sério, veremos o que o futuro nos reserva: ao Sr. PC e a mim que continuo a seguir atentamente o que se vai passando.

24 de maio de 2008 às 18:50  
Blogger Nuno Nasoni said...

O FCP nunca negociou na praça pública - e não é só com jogadores. A partir do momento em que acordos de natureza sensível chegam à comunicação social, perdem efeito. Não me parece que tenha sido Pinto da Costa o mau da fita nesta história.

24 de maio de 2008 às 21:39  
Blogger Antunes Ferreira said...

Caro Nuno
Permita-me que o trate assim Muito obrigado.

PARA MIM - FOI. Ponto

24 de maio de 2008 às 23:10  
Blogger Jorge Oliveira said...

Caro Antunes Ferreira :

Na linha da observação do leitor Nuno Nasoni, pergunto-lhe : entre o comportamento do Pinto da Costa, que exigiu a sua cabeça, e o daquelas que lha deram, qual terá sido o pior?

O poder de Pinto da Costa e de outros caciques do futebol na política nacional apenas se compreende pela existência de uma classe de políticos da trampa que lhes baixam as calcinhas.

Com a honrosa excepção do Rui Rio, o único político que teve tomates para fazer frente ao Pinto da Costa, os outros não passam de uns patéticos contadores de putativos votos e aceitadores de lugares no camarote do estádio. Para dizer o mínimo. E se Rui Rio tem vindo as sofrer algumas consequências, é apenas pelo facto de os companheiros do partido, sobretudo a direcção do PSD, não o apoiar publicamente com o vigor que tinha obrigação de mostrar.

Aqueles que o afastaram do cargo por exigência do Pinto da Costa é que deviam ser os principais alvos da sua indignação. E esses fazem parte, como não podia deixar de ser, do partido especializado em pôr gente na prateleira. Daí eu ter feito o enquadramento desta prática. Para que perceba que o seu caso não foi um acontecimento fortuito.

Entre o Sousa Franco e o Guterres não sei qual deles terá sido o mais cobardolas, mas arriscava o Guterres, que não tem mais nada na cabeça senão uma base de dados. Eles é que tiveram a principal responsabilidade naquilo que lhe aconteceu. Bastava-lhes ter mandado o Pinto da Costa dar uma volta às Antas.

25 de maio de 2008 às 07:22  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Infelizmente, a promiscuidade entre futebol e política é geral - e não só no nosso país.

Sobressaem, por vezes, saudáveis excepções (como a referida, de Rui Rio) e, no outro extremo, casos como o de Fernando Gomes.

E lembram-se quando o Manuel Vilarinho veio a público apelar aos sócios do SLB para votarem no PSD, com o argumento de que Durão Barroso tinha ajudado o clube na questão das dívidas ao Estado?

Curiosamente, o mesmo M.V. tem (ou tinha, até há pouco tempo) bens penhorados pelas Finanças...

25 de maio de 2008 às 09:24  
Blogger rc said...

Esse senhor, há poucos dias recebido por deputados na Assembleia (com direito a almoço de lagosta, sabe-se lá pago por quem?) é o esteio do pior deste país.

Arruaceiro, atiçador de ódios e venenos múltiplos, mestre do jogo por debaixo da mesa e de todas as combinações e arranjos de conveniência. Sempre se soube proteger numa classe politica débil que se pensava valer dele para ganhar relevância, mas apenas se tornava instrumento das suas vontades.

Veja-se os casos flagrantes de promiscuidade dos antecessores de Rui Rio, único capaz de por o dito senhor no devido lugar.

O caso aqui relatado só prova como o dito, nunca olhou a meios para atingir os seus fins. E foi conseguindo vingar.

O que mais me custa é a impunidade. A forma como a justiça deixa pessoas assim continuarem com o rei na barriga, passeando a sua vaidade e o seu rol de ilegalidades e corrupções. É até onde vão os tentáculos...

A minha solidariedade para com o autor.

Se este país pedisse coragem e honra aos seus politicos, sobravam poucos destes fantoches empertigados que por lá têm passado.

28 de maio de 2008 às 10:58  
Blogger Antunes Ferreira said...

Meu caro rc
Antes do mais, as minhas desculpas por tanto ter tardado na minha resposta. Mas, a preparar uma complicadíssima sessão de autógrafos e conversa na Feira do Livro, tenho andado numa fona. Agora, aqui ficam os meus agradecimentos.

Abro aqui uma parentética. O
me(a)u livro «Morte na Picada» ao qual nosso SORUMBATICO já se referiu através de texto e gravura postados pelo Carlos Medina Ribeiro, parece que tem o seu interesse. E tem-se vendido...

Muita gente mo tem dito e, face a isso, o meu editor arranjou-me uma trapalhada, pois vou, neste Sábado, entre as 18:00 e as 19:00, estar no Pavilhão das Pequenas editoras, disposto a tudo, ou quase...

Isto porque é precisamente no dia 7que às 19:45 começa o... Portugal-Turquia. Veja o imbróglio, a alhada, o velório em que me meti. Anda uma mãe a criar um filho...
Pronto. Fecho um parêntes tão longo como a légua da Póvoa.

Debaixo dos pés se levantam os trabalhos, diz o Povo e com carradas de razão. Esta minha demora, inqualificável, levou a que, no decurso do tempo, acontecessem muitas coisas a este respeito.

A mais complicada e de maior gravidade para o FCP é a decisão de hoje da UEFA (de que o clube vai recorrer, desta feita...) de interditar os portistas na Champions League da época que vem, aí já à porta.

Como disse e repito: nada tenho contra os Dragões. Contra o sr. P da C - tenho. Ponto. Seria bom que, de recurso em recurso, o caso ficasse esclarecido rapidamente. Para Justiça de tartaruga, já basta a nossa.

Mas, sem margem para uma dúvida que seja, continuo à espera de ver o que poderá vir a acontecer ao presidente do FCP. Noutros processos e noutras sedes. Mesmo que o ritmo lusitano origine mais uns tempos para se chegar a uma decisão final. Aí, sim, então conversaremos.

Um outro muito obrigado, se possível reforçado.

4 de junho de 2008 às 19:27  

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