11.5.08

A paciência e a prosa

Por Nuno Brederode Santos
AGORA SOZINHO EM CASA, tenho o mundo a meus pés. E sei bem quanto este poder absoluto é capaz de corromper: em regra, ele induz uma enorme sonolência, que me embrulha nesse imenso durante que é o interim do berço à cova. Hoje, como tantas vezes, é o caso. Eu bem queria escapar ao que os media consagram, mas o seu cerco é um abraço de jibóia: para escrever, não posso sair, e, não saindo, sou escravo deles.
É isso que me envolve, muito mais do que seria desejável, nos problemas da direita portuguesa - um cosmos de filigrana que enche e conforta o imaginário de Agostinho Branquinho ou Rui Gomes da Silva (hoje afinal divididos, vá-se lá saber porquê). Desde há meses que as tragédias íntimas do PSD quase monopolizam a negregada agenda mediática, no que eles devem considerar um pendor intolerável. Não há pessoa, nem facto, nem ideia, que consiga disputar-lhe o palco do nosso quotidiano. Na versão casmurra, que provavelmente eu sou, do senso comum, a coisa não tem sido bom negócio para eles: o País sensível eriça-se e enregela perante a superprodução de um filme-catástrofe que nos assola do pequeno-almoço até à ceia.
Eu nem queria interferir. Há por aí muitos conservadores de boa cepa, sólidos e bem-humorados. E democratas-cristãos da melhor raiz da Europa do pós-guerra. E neoliberais que sabem comer como por cá aprenderam, com garfo e faca em simultâneo. Nem precisamos de os procurar, na imprensa ou na blogosfera - basta a vida social comum. Não deixo morrer a esperança de que esses ponham tino e ordem na bagunça. Contento-me com observar de fora o desenrolar da coisa. Por ora, tudo se vai decidir entre aqueles que querem jogar o jogo do regime na observância das regras que o regulam e os que querem ganhar o jogo do regime na ideia de lhe fixarem depois as regras. Entre a política que se faz na urna de voto, no hemiciclo do Parlamento e na intervenção de cada cidadão no dia-a-dia e aquela que se resolve e esgota nas varandas de Perón e na manipulação da multidão contra a consciência individual do cidadão. Querem direita? É escolher entre Merkel e Junkers ou Sarkozy e Berlusconi.
Não me ocupo da ambiguidade que de há muito o PSD traz consigo. Importa é que ele mesmo esteja decidido a escolher. E aí não há neutralidade, porque a escolha deles é importante para o sistema em que vivemos. A desistência de Menezes e a inconsistência do sonho nacional de Jardim parecem reduzir o segundo pólo a Santana Lopes. Santana gosta de si, o que nem é criticável, porque está nos limites de legítima defesa de alguém que até é socialmente afável. É um pintainho amarelo, com a amargura de não ser o Kalimero. Quer-se causa, início e fim. Quando pisca os olhos, afirma e crê que houve um apagão universal. E é um homem com pressa. Por natureza, mais do que filosofia. Pensa que, por longa que seja a vida, sem pressa ninguém tem tempo. E não cura de saber do tempo que a pressa esbanja. Por isso, não escolhe as oportunidades, aceita-as (quando não as inventa) conforme o acaso as traz. Quer voltar, no flamejante kitsch de uma cerimónia de Óscares, como vítima de gente que afastou e de Jorge Sampaio (que até deixou de contar nesse episódio, logo que o eleitorado tão avassaladoramente lhe subscreveu a decisão).
Mas Santana é o pai da prole que o partido hoje é. Do grupo parlamentar e, senão dos autarcas, pelo menos do método que os fez nascer. E é isso que os seus apoiantes querem, acima de tudo, defender. Mas é isso também que move contra ele muitos mais (infelizmente divididos entre duas candidaturas). Porque é isso que, acima de tudo, eles pretendem resolver. Um propósito sem grandeza? Essa agora! A astronomia visa o alto mas muito dela resolve-se no chão. Aqui mesmo, entre os nossos pés. Temos muito tempo para sair à liça a confrontar Passos Coelho com o realismo do seu cardápio neoliberal e o que pensamos do seu futuro. Ou a sacrificada Manuela Ferreira Leite com o seu pragmatismo tecnocrático e o que pensamos do seu passado. Porque, nessa altura, já só estará em causa o normal, sereno e, contudo, entusiasmante contencioso das ideias.
«DN» de 11 Mai 08

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