22.6.08

O estado da União

Por António Barreto
OS PAÍSES EUROPEUS, sobretudo os grandes e com mais responsabilidades, não podem deixar-se submeter às decisões dos mais pequenos, muito menos aos resultados de um referendo de que resultou uma maioria de escassos milhares de votos. Imaginar que toda a Europa possa ficar condicionada pelos irlandeses é quase uma deficiência intelectual. Tal como imaginar que a União, de carácter federalista, se possa fazer com a unanimidade dos Estados e dos povos. A França e a Alemanha, ajudadas pelos seus clientes e arrastando atrás de si os pequenos países que não se importam de ver aumentar as suas dependências, vão pois tomar as providências necessárias para que a constituição do Tratado de Lisboa seja aprovada. No que serão ajudadas pela enorme, luxuosa e apátrida burocracia europeia. Com ou sem Irlanda. Com ou sem favores prestados e dinheiros dados aos irlandeses. Não podia deixar de ser assim. Só nos contos de fadas é que os gnomos mandam e os anões derrotam os gigantes.
.. O referendo irlandês teve as suas virtudes. Revelou, uma vez mais, a crise europeia. Exibiu a verdadeira natureza desta União. E mostrou, sem deixar dúvidas, o caminho que esta se prepara para seguir. A reforma das instituições europeias ficará na história como um caso exemplar de esbulho de independências, de esmagamento pacífico de autonomias e de tentativa de destruição de culturas e de carácter. Toda a gente percebeu que a saga da aprovação do Tratado de Lisboa, depois de Maastricht e de Nice, tem como principal objectivo o de retirar poder aos povos e de lhes administrar as soluções das elites esclarecidas. O Tratado foi inventado para retirar aos povos a possibilidade de os discutir e aprovar. O Tratado é incompreensível? A Constituição é absurda? Tanto melhor. São documentos que, justamente, não devem ser compreendidos. E que oferecem explicações úteis para a indiferença crescente dos cidadãos. Votam em eleições e em referendo, dizem os iluminados, por razões nacionais e não por razões europeias! Votam, acrescentam, por causa da crise económica, das desigualdades, dos preços dos combustíveis, das questões laborais e da imigração. Na Irlanda, então, para cúmulo, dizem eles, o “não” foi motivado pelo aborto, pela eutanásia e pelos impostos. Tudo, asseguram, questões locais, paroquiais, nacionais, sem a importância dos reais problemas europeus. Estes argumentos, infantis e destituídos de qualquer inteligência, são repetidos candidamente por todos os servos, sobretudo juristas, da plutocracia europeia. E ninguém, entre essas luminárias, se deu ao trabalho de reflectir nas últimas eleições europeias que deram dois resultados inesquecíveis. Primeiro, uma enorme abstenção. Segundo, o facto de quase todos os que perderam essas eleições foram recompensados, directa e indirectamente, com cargos, responsabilidades e decisões nos actos que se seguiram. Chirac, Schroeder, Tony Blair e Durão Barroso, entre outros, perderam as eleições, mas, pelo jogo do federalismo, moldaram a União que se seguiu! De qualquer modo, ficámos a saber, mais uma vez: para os dirigentes europeus, o emprego, os impostos, a liberdade, a demografia, a família, o sistema de saúde, a educação, a idade de reforma, a legislação laboral e as desigualdades sociais não são questões europeias. Não são problemas relevantes!
(...)
Texto integral [aqui]

Etiquetas:

5 Comments:

Blogger António Eduardo Lico said...

Sem perder muito tempo, vou limitar o meu comentário a uma citação:

“…o repúdio de um poeta português pela irresponsabilidade com que meia dúzia de contabilistas lhe alienaram a soberania (...) e Maastricht há-de ser uma nódoa indelével na memória da Europa.”

Miguel Torga dixit...e disse muito bem. Era poeta e patriota e nunca se indentificou com os moços de recados a que chamam elites políticas.

António Eduardo Lico

23 de junho de 2008 às 10:31  
Blogger Sepúlveda said...

A base fundamental em que assenta a implementação deste novo tratado, deste mais recente rumo da UE, é a mentira, a ilusão. Então combinaram tudo para governarem o povo sem quererem ouvi-lo? Seja porque lhes parece tudo muito complicado de explicar ou de entender por parte do povo, "é melhor não lhes dar o voto porque eles podem enganar-se e votar contra os seus próprios e melhores interesses" - o ignorante povo, claro está.
Parece que houve uns dirigentes traidores que não alinharam nessa mentira (por não quererem ou não poderem) e deram o voto ao povo. Muito bem! (Idependentemente das razões que levaram o "não" a ganhar, mas ganhou.)
É sempre preocupante quando há iluminados que não querem sujeitar as suas intenções/opiniões à análise e crítica.
Não tarda, começa a haver gente com direito a mais votos do que outros, seja por idade, grau de escolaridade, menor grau de deficiência ou de acordo com o IRS. Ou talvez por cor política. E aí recuamos 60 anos.
Governação desprezando o povo lembra tempos de há umas dezenas de anos atrás e locais diversos da Europa. Cá também houve disso.

23 de junho de 2008 às 18:12  
Blogger Sepúlveda said...

E eu até gosto da ideia de uma união da Europa. Mas assim...

23 de junho de 2008 às 18:13  
Blogger Jack said...

Concordo, como não podia deixar de ser, com o António Barreto.

23 de junho de 2008 às 18:52  
Blogger Oscar Maximo said...

O problema de energia e alimentos é local: certo, dirá o Sultão do Brunei.

25 de junho de 2008 às 12:05  

Enviar um comentário

<< Home