Outra vez o «Acordo Ortográfico»
Por C. Barroco Esperança
OS ADVERSÁRIOS DA ORTOGRAFIA ACORDADA podem não assistir à assinatura do futuro tratado que necessariamente há-de ocorrer na sã tentativa de unificar a língua que diariamente assimila novos termos. O pragmatismo acaba sempre por vencer a vontade dos puristas e a argumentação dos eruditos.
Os adversários mais truculentos das novas alterações não dizem o que pensam das anteriores e qual o critério que usam para definir a transformação de um vocábulo corrente em arcaísmo.
Estes zeladores da pureza idiomática lembram fidalgos arruinados a exibirem o brasão de família com as calças puídas na albarda de um jerico, depois de lhes minguarem as posses para ataviarem um cavalo puro-sangue.
Sendo a obsessão pelos costumes mais forte do que o pragmatismo, surpreende que a cruzada fique pelas últimas alterações e que os paladinos não tercem armas pelo português arcaico.
A língua portuguesa é património comum de centenas de milhões de falantes e não pode ser confiscado pelos guardiões do templo sob pena de converterem em dialecto o idioma que é de todos.
É tempo de pararem os abaixo-assinados contra o acordo, tão inúteis nas consequências como atrasados no tempo.
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32 Comments:
«OS ADVERSÁRIOS...a vontade dos puristas...»
«Os adversários...zeladores... lembram fidalgos arruinados a exibirem o brasão de família com as calças puídas na albarda de um jerico, depois de lhes minguarem as posses para ataviarem um cavalo puro-sangue.»
«...a obsessão pelos costumes mais forte do que o pragmatismo...os paladinos...»
«...não pode ser confiscado pelos guardiões do templo...»
«...atrasados no tempo.»
Lamento, mas foi isto o que eu reti do texto. Não é uma argumentação agradável de se ler.
São críticas atrás de críticas a pessoas cujo único pecado é defendem aquilo que entendem, usando da sua liberdade de expressão e cidadania.
Não compete a ninguém vir dizer que é tempo de por a cidadania num saco fechado e deitá-la no lixo. Os abaixo-assinados são um direito que não caduca por exigência daqueles que não concordam com o que é defendido.
Seria mais útil o sr. C. Barroco Esperança dedicar-se à defesa do acordo ortográfico através de uma boa argumentação ao invés de criticar aqueles que têm opinião diversa da sua.
«É tempo de pararem os abaixo-assinados contra o acordo,...»
Será que li bem esta espécie de intimação? Parece que sim, pois todo o texto é de uma arrogância insuportável.
Se eu não tivesse já assinado a petição, ia já a correr fazê-lo depois de ler esta crónica.
Está em:
http://www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa/
Honra lhes faço: não me recordo da última vez em que vi um opositor argumentar contra o Acordo invocando traços de carácter dos apoiantes.
Caros leitores:
A liberdade de opinião que eu vos reconheço é aquela que reclamo.
"converterem em dialecto o idioma que é de todos"
por esta ordem de ideias, línguas como o basco, gaélico, ou mesmo o inglês de certos países, são ou tornar-se-ão dialectos?
Como noutro lado digo: por mim, podem fazer (ou desfazer) os acordos ortográficos que quiserem.
No entanto, na altura de formar opinião, não há nada como ver exemplos do que vai (e não vai) mudar, e (tentar) ajuizar a partir daí.
Um caso curioso (na medida em que é paradigmático do espírito da 'coisa') tem a ver com as palavras FACTO e FATO.
Em 'português de Portugal', FACTO é ACONTECMENTO e FATO é ROUPA.
Em 'português do Brasil' só há a palavra FATO.
Até aqui, tudo bem. É por motivos desses que se fará (ou tentará) a harmonização gráfica.
O curioso é que a versão brasileira do dicionário Houaiss regista FACTO como sendo um “regionalismo português" (*). Pode ser uma esquisitice da minha parte... mas a expressão não me soa bem...
-
(*) Ler detalhes em:
http://dererummundi.blogspot.com/2008/06/fatos-ortogrficos.html
Essa ideia do "regionalismo português" diz tudo, pois é precisamente o espírito do A.O.:
Não se trata de uma evolução natural da língua, mas sim de satisfazer (ou aceder a) o gigantesco mercado editorial brasileiro, passado Portugal a ser uma simples "região".
Uma vez Saramago foi confrontado no Brasil com um auditório onde, às tantas, um brasileiro lhe disse que ele falava com sotaque.
Ao que o escritor respondeu:
«Perdão! A língua é minha, o sotaque é que é seu!»
Será caso para dizer, em breve:
«Não sei, não...»
A argumentação apresentada por C. Barroco Esperança é realmente deplorável.
Infelizmente, parece que o único problema de entendimento linguístico entre portugueses e brasileiros (já que estes é que realmente se mostram afectados com as dificuldades de comunicação! lol) passa apenas pelas consoantes mudas em determinadas palavras e, por isso, tanto necessitamos do acordo ortográfico.
Já alguém se lembrou de que usamos diferentes preposições? Já alguém se lembrou de que usamos verbos com valores semânticos e regimes preposicionais diferentes? Já alguém se lembrou de que os clíticos se colocam e usam de forma diferente? Já alguém se lembrou de que usamos efectivamente léxico diferente para designar o mesmo objecto?
Será que custa tanto aos brasileiros (e demais apoiantes do acordo ortográfico) depararem-se com umas consoantes mudas? E por que diabos tenho eu de me habituar a reflectir sobre as ambiguidades que ficarão criadas na língua que, afinal, também é a minha?
Eu sou obrigada a ter capacidade de reflexão para descortinar ambiguidades. E os outros, coitados, não terão capacidade para tropeçarem numa consoante muda?
Porque não se muda de uma vez por todas a estrutura sintáctica da língua que legámos ao mundo em vez de andarmos a tapar o sol com a peneira e a inventariar falsos problemas de entendimento linguístico entre os falantes do português?
Julgo que este Sr. Barroco seja um cidadão português, maior, com cartão de eleitor. O facto de saber que ele vota causa arrepios.
Tenho aqui comigo o «Menina e Moça», do Bernardim Ribeiro (com ortografia da época - século XVI), e mal consigo avançar na leitura. E já não falo nas crónicas do Zurara nem do Fernão Lopes. Por isso, não me preocupo muito que, p. ex., ACTUAL passe a ATUAL - façam lá como quiserem.
Mas já dá que pensar a morfologia. Ontem, no Rossio, um brasileiro dizia para outro frases em que entravam expressões como «Pegar o bonde» e ir ter com ele «no hotel».
Alguém imagina que isso será uniformizado?
Ó meu caro Medina, e então aquelas construções exemplares, com que um colega nosso embirra solenemente, do género : "Você já viu se teu pai chegou?". Esta é daquelas que tira a vontade de atravessar o Atlântico...
Vamos ter dupla grafia?
Ler "anatómico" e ser possível escrever "anatômico"? Então onde é que há interesse para um acordo nisto se continua tudo igual, nós da nossa maneira e eles da deles?
Mas muitas das palavras que ficam sem "c" antes de consoantes deixam de ter razão para se pronunciarem como nós "costumamos" pronunciar. Exemplo, "ativo", "contração", " exceção", "noturno".
Toda a gente terá certamente muitos outros exemplos a apontar.
http://diario.iol.pt/noticia.html?id=924498&div_id=4071
Não tenho a mínima dúvida de que a língua deve evoluir. Mas tem de ser no sentido em que é falada (desde que bem) e que os hábitos de fala mudam. Agora, decidir que devemos escrever diferente a ver se nos habituamos a pronunciar... isso é mesmo só para começarmos a falar como no Bràsiu. E quando eles pegam em geral em palavras inglesas e as transformam em portuguesas (mas só do português deles, certamente), também as temos de aceitar? Há-de haver sempre português da origem e português dos outros países que o falam e será necessariamente diferente. Quase que acontece entre o Norte e o Sul de Portugal e também com as ilhas...
Mergulhemos novamente na iliteracia.
Alguém quer jogar boliche?
Mas é interessante verificar que os que querem novidades à força são geralmente os que menos argumentos apresentam e ainda os que também ameaçam e "insultam" os cépticos e cautelosos, no caso de tudo se manter no estado actual.
E isto passa-se neste (des)acordo e também noutras questões, como no caso do aquecimento global antropogénico ou do tratado/constituição da UE. Só não vemos muita gente a defender aumentos de impostos. Isso ainda era mais "prafrentex". Safa!!
A questão da pronúncia das palavras que deixam de ter consoantes mudas faz-me recordar um episódio passado há pouco tempo.
Ao ler um texto traduzido para português pós-acordo, fiquei alguns segundos parado na palavra "aspeto". Fiquei parado porque a lia como "aspêto" e não conseguia imaginar o que aquilo era. Aspêto? De repente, lembrei-me que era a nova grafia para aspecto!
Esta é uma daquelas convicções de que dificilmente um apoiante do acordo me conseguirá demover: as consoantes mudas ou semi-articuladas na nossa variante do português são importantes.
Não é meu hábito comentar, mas não pude ficar indiferente a este artigo, e aos seus comentários.
SOU favorável ao novo acordo e tentarei explicar a minha posição, como conseguir.
Assim que soube da sua existência, comprei e li o livro resumido que explica o essencial do novo acordo ortográfico ( "atual - O novo acordo ortográfico - o que vai mudar na grafia do português" - João Malaca Castaleiro, Pedro Dinis Correia - Texto Editores - ISBN: 978-972-47-3764-5)
No cerne deste acordo, apesar da desinformação que graça por Portugal (nos media, principalmente), está a adaptação da escrita à fonia. Simples!
Nada mais desadequado do que escrever letras que não se pronunciam (as ditas consoantes mudas). Mantê-las, com que propósito? Por tradição? Não me parece. Velhos do ResteLLo, talvez...
Quereremos nós voltar a escrever THEATRO, PHARMÁCIA, ATRÁZ (entre muitas outras...), ou queremos andar para a frente, e evoluir um pouco? Retirar da grafia o que não faz falta à fonia...
(Já que hoje houve jogo...) Alguém pronuncia seleCção, ou limita-se a dizer seleção????... É disto que se trata.
E quanto ao acordo, existe cerca de 98% de concordância escrita entre os países Luso-Africanos e o Brasil. Os restantes (cerca de) 2% ficarão consoante a respectiva PHonética. Escreveremos o que falamos, e mais nada.
(opinião singela de quem concorda com esta evolução. embora achando que ainda falta uma grande rectificação sintática)
-eduardo
Falhou-me, por lapso de teclas, uma letra no nome de um dos autores do livro supra-citado. Deveria constar : "João Malaca Casteleiro"
Peço desculpa pelo engano.
-eduardo
Porquê 8 ou 80? Por que é que os defensores do acordo têm que dizer que os que estão contra até querem andar para trás? Quem está contra ESTE acordo não está necessariamente contra a evolução e algumas alterações na escrita, nem quer, obviamente, voltar ao passado de "pharmácia". Mas a evolução não tem de ser exactamente no sentido proposto.
O exemplo de "selecção" até é mau porque se se escrever "seleção" não há nada na palavra que faça o leitor ler o segundo "e" como "é". Lê-se "seleção" ou "selèção"?
(E há muitos outros exemplos do género.)
Uma Língua, qualquer que ela seja, é uma entidade viva, e evolui, por processs naturais. Um exemplo fácil de entender – a cada 1000 anos 14% do vocabulário básico de uma Língua muda; trata-se de um fenómeno estudado pela Glotocronologia.
Ninguém de bom senso acredita que as Línguas são entidades imutáveis.
O que pretende este Acordo? Pretende unicamente subordinar Portugal aos intereses editorais do gigante brasileiro. Como sempre mostramos medo, assumimos o receio, e tendemos a ficar calados.
Eu por mim, não me calo, e jamais escreverei Segundo os moldes propostos pelo ditto Acordo Ortográfico. Aliás, vou publicar em breve, precisamente no Brasil, e nada do que eu escrevi poderá ser alterado.
Aliás, se repararmos bem, a Lei que aprovou o Acordo, é fácil de derrotar: basta que os principais utilizadores, escritores, jornalistas, funcionários da Adminstração Central e Local rejeitem ser remetidos a um papel de indígenas que teimosamente persistem em falar um “dialecto”, e continuem a usar a ortografia que nos é própria, e que, por exemplo, fez do Português de Portugal a Língua da melhos Poesia da Europa, senão mesmo do Mundo, na actualidade.
Para terminar em tom, mais conciliatório, digo que não me vejo, quando tiver que comentar factos económicos e tiver que falar em Mercado, usar essa barbaridade “DEMANDA”.
António Eduardo Lico,
Um dos argumentos mais usados a favor do novo A.O. é o de que a alteração para «a escrita tal como se lê facilitará a luta contra o analfabetismo».
Cumeçei a culijir alguns ezemplus k mostraum k essa afirmassaum é de veraçidade um poucu duvidoza, max dexcubri k sãu tantux k nãu cabem aki nexte cumentáriu. Ficão, poix, para um post novu, a aficssar em bréve.
:-)
«a escrita tal como se lê facilitará a luta contra o analfabetismo»
Belo exemplo!
fez-me lembrar a iniciativa das entidades francesas, há uns anos atrás, em traduzir o "antigo tratado constitucional" da UE em Francês sms para que houvesse uma maior participação dos jovens no referendo, o que não foi bem o que veio a acontecer, e nem mesmo o objectivo cumpriu o seu propósito.
Tudo em nome da motivação dos jovens...
Por um lado, a correspondência entre a leitura e a escrita de uma palavra é tida como um elemento facilitador da aprendizagem de uma língua- o que eu duvido, o alemão lê-se quase sempre da mesma maneira e tal qual se escreve, o que não implica que a sua aprendizagem seja simples.
Por outro, este argumento leva a que as regras bases de aprendizagem de um língua se tornem paradoxais. A título de exemplo,
Se "egipto", por ter um p mudo, passará a ser escrito "Egito", Egipcio, porque o p é sonoro, mantêm este mesmo p ...O egípcio não vem do Egito?
A regra universal, e transversal a todas as línguas, da formação de palavras a partir da raiz da palavra-mãe é assim descaradamente ultrapassada por um argumento quanto a mim inconsistente e temporário.
Outro ponto, porque não tiram também os "us" nos "que", "queda", "querida", "quotas"...
ninguém os pronuncia! Se Qatar, não tem u, por que é que as outras palavras forçosamente o usam.
Uma dúvida, passaremos nós a usar tremas, acento esse que não existe na nossa prática linguística...ou lingüística? Conseqüências de um acordo demasiado simplista e tropicalmente generalista.
Friso um argumento que é gasto demasiadas vezes na argumentação pró-português do Brasil, no que diz respeito à maior grau de facilidade na aprendizagem quando comparado ao português de Portugal. A facilidade é maior devido à maior clareza e sistematização da língua na sua oralidade, que no caso de aprendizagem de uma língua estrangeira, é o seu cartão de visita e de onde se parte para uma aprendizagem mais profunda.
Helena,
De facto, os muitos estrangeiros que tenho encontrado por esse mundo fora e que falam português fazem-no com sotaque brasileiro.
Segundo me dizem sempre que lhes pergunto a razão do facto, isso tem a ver com a oralidade, com as sílabas 'sin-co-pa-das' (e não "enroladas"), e não com a escrita.
... e há a Bossa Nova, claro!
Não nos esqueçamos que tambêm, uma vogal em Português "brasileiro" tem muito menos variantes fonéticas do que em Português Lusitano. E as consoantes são muito mais claras e perceptíveis (os ésses são "esses" e não "ches"), semelhantes na pronunciação às da maioria das línguas europeias. Exceptua-se claro está o Castelhano, que sofre do mesmo síndrome que o Português (Castelhano europeu vs espanhol da América Latina).
Um estrangeiro que tenha aprendido espanhol, raramente o pronuncia com sotaque madrilheno...
Por razões de trabalho, contactei com alguns anglófonos (ingleses, americanos, etc). Ouvi com frequência a opinião de que o português falado no Brasil é mais claro de compreender, simplesmente pela sua dicção mais aberta. Contudo, a maior parte diz-me preferir a escrita do português de Portugal, em grande medida pela proximidade que existe com o inglês (nós temos acção, o inglês action, o brasileiro ação). A nossa abordagem à Língua, conforme me foi dito por alguns, facilitou-lhes a aprendizagem da escrita e tem uma fonética mais "sistematizada".
De qualquer forma, o pior para eles não é a grafia. Eles queixam-se mais, por exemplo, da conjugação dos verbos e - isto é um pesadelo para muitos - a atribuição de género a todos os objectos. Um irlandês dizia-me que não compreendia a inexistência de algo como o "it". Perguntava ele, com algum humor, como é que havia de saber que um cão é ele, mas uma girafa é ela? Ou um carro ser ele, mas uma locomotiva ser ela?
Portanto, a ideia de que a grafia unificada facilitará o interesse dos estrangeiros pela Língua não me convence. Não me parece que seja aí a dificuldade maior. Há outros problemas: a dicção diferente, as construções verbais diferentes, o léxico demasiado diferente. Na verdade, até se pode argumentar que, ao adoptarmos a abordagem ortográfica da versão brasileira, estamos a desperdiçar uma mais-valia que possuímos.
João Sousa,
Acerca do "ele" e do "ela", tome nota de uma curiosidade dupla:
O Sol é "ele", mas é UMA estrela; a Lua é "ela", mas é UM planeta...
Eduardo,
Nada mais adequado do que escrever letras têm uma função auxiliar na fonética, que ajudam a compreender o sentido das palavras e que fazem uma ponte com outras línguas (acontece com diversas «consoantes mudas», exemplo: actualmente - português; actually - inglês).
Não pronuncio seleCção, mas também não pronuncio Selêção. O «c» que o acordo ortográfico pretende «extinguir» só aparece quando a vogal anterior é aberta).
Não se esqueça que a pronúncia brasileira é bastante diferente da portuguesa.
Onde é que está comprovado que o acordo levara a que exista cerca de 98% de concordância escrita entre os países Luso-Africanos e o Brasil?
O acordo apenas mexe na ortografia e ainda por cima permite variantes ortográficas. Ou seja, praticamente não muda nada, portanto o mais certo é continuar a haver uma diferença notória na escrita dos diversos países de língua oficial portuguesa.
Carina,
Não sei se, de facto, a concordância é de (cerca) de 98%, ou outra percentagem diferente. Limitei-me a referir algo que li, no livro que mencionei anteriormente.
Apenas me parece bem que a forma como se escreve, se vá aproximando da forma como se fala. Deixando de lado as tradições.
Mais uma vez, é a minha singela opinião...
cumprimentos a todos,
-eduardo
Eduardo,
De facto, a percentagem das palavras que vão ser alteradas é muito pequena. Mas se essas palavras forem utilizadas mais frequentemente do que outras, o impacto é muito maior.
Mas, por mim, tudo bem. Alterem lá o que quiserem, mas com coerência, se possível.
P. ex.:
Se o critério é abolir letras que não se lêem, porquê, então, só os P e os C?
Tenho aqui comigo um dicionário da Lello que tem que 24 páginas só com palavras começadas por H. Em TODAS, o H pode sair, pois não se lê.
Vamos aboli-lo? Por mim, e a bem da coerência, façam favor.
Se não agora, será para uma próxima.
Mas o que eu gostava mesmo... era de poder escrever «Biba u Puartu!» (pois é assim que se pronuncia minha terra!)
Já li o texto do Acordo e acho difícil encontrar uma coerência sistemática. As consoantes mudas caem porque no seu caso se considera que a fonética tem prioridade sobre a etimologia. Os agás mudos não caem porque no seu caso se considera que a etimologia tem prioridade sobre a fonética.
Se eu quiser ser sarcástico, digo de outra forma. A etimologia e a fonética têm os pesos relativos que a palavra no português do Brasil lhe dá.
Já que estamos numa de cortar letras, proponho a remoção de uma outra: o "S". Quando eu penso no assunto, vejo que pode ser substituído por:
sapo => çapo
visão => vizão
dezassete => dezaçete
ensinos => ençinoz
Proponho mais: que o "O" passe apenas a ser usado quando a vogal é aberta, sendo substituído pelo "U" quando é fechada. Ganha-se ainda por não ser necessário acentuá-lo. Assim:
sapo => çapu
ensinos => ençinuz
filhós => filhoz
Agora, mais a sério. Acho bizarro que se faça uma reforma ortográfica que tem a oposição da maioria dos linguistas por a considerarem cientificamente errada. Seria um pouco como fazer-se uma reforma da matemática contra a opinião dos próprios matemáticos.
Houve acordos ortográficos em 1911, 1931 e 1945, e ainda outros acertos diversos, mais recentes. E, em relação a esses, não há notícias de grande contestação. Terá sido (como defende Desidério Murcho) porque, na época, a sociedade portuguesa não se podia manifestar livremente? Talvez.
Também não havia os meios de comunicação que há hoje, em que toda a gente pode saber tudo.
Dito isto, o que parece irritar no actual A.O. é a noção de que é desnecessário (ninguém ficará a ser menos analfabeto), incompleto (mantém inúmeras grafias duplas), mal-parido (está cheio de incongruências), sem apoios fortes dos principais entendidos na matéria (a maioria dos escritores e linguistas estão contra ele); em resumo: feito, essencialmente, para satisfazer os interesses brasileiros e das grandes editoras, dado o gigantismo do mercado em causa (atente-se nas compras recentes de editoras portuguesas, num país onde poucos livros se lêem).
Se não é isso que sucede, pelo menos é o que parece.
Quanto ao GRANDE argumento de aproximar a escrita à oralidade é, como se sabe, apenas válido para alguns C e alguns P. Nem sequer nisso foram até ao fim, e continuaremos a ler BRAZIL (ou BRASIL, segundo o 'regionalismo português'), mas ainda não BRÁZIU
Mas, como digo, já não estou em idade de me chatear com isso (o colesterol elevado é que me preocupa). Façam, pois, como quiserem.
Para os miúdos é que vai ser bom. Deixam de se preocupar com erros ortográficos.
Preocupa-me mais o tipo de literatura que encontraremos no pós-acordo. Um livro que se diz escrito em português de Portugal pode "ser escrito" em português do Brasil (apesar de passar a ser mais ou menos o mesmo). E vice-versa. Ou seja, tanto pode ser irritante de ler para portugueses como para brasileiros. Resultado: muita gente deixa de comprar livros pelo desagrado visual e de leitura de palavras esquisitas. Ainda vão as editoras perder com isto. Isso é que era bonito...
Sepúlveda,
Acerca do que refere no início do comentário, ler a crónica «O fim dos erros», de Joaquim Letria, [aqui].
Quanto ao resto: sempre li os livros de Jorge Amado, Erico Veríssimo, Machado de Assis, José Mauro de Vasconcelos, Monteiro Lobato, etc. tal como foram escritos, e não sei como os encararei se, algum dia, me deparar com reedições na nova versão da língua. Se calhar nem notarei a diferença - o que quer dizer que se trata de algo que não aquece nem arrefece.
Também já li livros do Eça, do Camilo (e de muitos outros) na ortografia original e na actual, e "tanto me faz como me fez".
De qualquer forma, dá que pensar o facto de os autores portugueses mais conhecidos e apreciados no Brasil o serem apesar de (ou por isso mesmo?) publicarem, pelo menos até agora, em "português de Portugal".
Nestas coisas, já estou como diz um cínico meu amigo: «Não sei se é bom ou mau - vamos ajuizar em função dos resultados»
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