Manual do ladrão inteligente
Subsídios para a minimização do erro em assaltantes distraídos
OBS. - Alguém considerará estes conselhos desajustados e politicamente incorrectos por constituírem uma descarada ajuda a assaltantes disléxicos e desastrados. Pois. Mas diariamente somos roubados no peso dos congelados, nas comissões do Banco, no restaurante, nos cálculos para a reforma, nos direitos ao lazer e ao bem estar, no acesso à Justiça e à Saúde, na taxa de esgotos, no combustível, no alcatrão das empreitadas públicas e na Arte e Cultura que nos sonegam. Assim que me lembre, de repente.
Somos, portanto, reféns de uma sociedade que nos castra e manipula e rouba ao seu próprio jeito. Resta-nos um Agosto repleto em toda a parte, como estímulo de viver. Coisa pouca, para quem aspire a vida que se preze. Por tudo isso, e como me falta a má formação para assaltar seja quem for, aqui deixo o meu modesto contributo para todos os aprendizes de gatuno, ao jeito levezinho da silly season em que nos deixam fingir que somos prósperos e felizes.
Posto isto, afivelem um sorriso estival e leiam estes dez conselhos para gatunos desatentos. Depois desta leitura, espera-se uma margem de sucesso acrescida.
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1 . Deve antes de tudo o ladrão previdente estudar bem o espaço e o ramo de negócio a assaltar. Não interessa por aí além assaltar, por exemplo, lugares de hortaliça, sedes de partidos políticos ou estações de alta tensão da EDP. Evitar residências de operários em empresas em crise, desempregados de longa duração, empresários em falência ou residências de funcionários públicos.
2. Estudar bem previamente a envolvência social e geográfica. Evitar assaltar dentro do Ministério das Finanças, gabinetes de dentistas ou advogados, pois são profissionais sempre muito mais experimentados e sabedores do que qualquer assaltante, contra os quais não há armas nem argumentos. Evitar também assaltar a sede dos GOE ou quartéis da GNR. Há também quem tenha tentado assaltar esquadras de Policia e se tenha dado mal, sem resultados práticos famosos.
3. Em caso de engano por distracção sair rapidamente para não despertar alarme. Alguns profissionais menos atentos têm assaltado fornos de padaria e de siderurgias, tendo dado azo a episódios de trágicas consequências. Aconselha-se uma revisão aos olhos e uma consulta a um bom oculista para não trocar um Banco com uma pastelaria só porque ambos se chamam “popular”, por exemplo.
4. Se a encomenda é, por exemplo, de jóias, convém assaltar uma ourivesaria e não um supermercado; se o objectivo são lagostas, não assaltar ourivesarias nem escolas pré-primárias, onde raramente se encontra marisco em boas condições. Se o objectivo é ouro ou prata, são desaconselhados os esforços para arrombar o cofre de um restaurante ou de uma sapataria. Assim sucessivamente.
5. Em caso de estarem rodeados por forças de segurança, não pedir Ferraris na negociação para a fuga, pois as forças policiais não os possuem, e quem os possui normalmente não os empresta para esse fim. Contentem-se em aceitar o carrinho que vos derem e certifiquem-se de que foi fornecido com volante, bancos e rodas. Não espreitar pela porta para perguntar as horas em caso algum, pois há atiradores que podem não ter consigo relógio e aproveitar o pretexto para um desenlace fatal.
6. Evitar excessos de vaidade e publicidade como, por exemplo, deixar cartões-de-visita, números de telemóvel ou assinaturas tipo “sou o Zé das Monas e estive aqui no dia tal as tantas horas, para qualquer serviço no género faço descontos para grandes quantidades e preços módicos para reformados carentes”. Gabar-se na cervejaria de que acabou de assaltar o Banco da esquina também se revela normalmente prejudicial.
7. Usar disfarces fiáveis e nunca poupar na cola dos bigodes e barbas postiços por motivos óbvios. Usar caraças de Carnaval em Agosto também pode conduzir a suspeitas prematuras sobre as intenções de alguém que acaba de entrar na sede da CGD.
8. Nunca perguntar ao segurança a que horas é que há menos clientes e a coisa está mais sossegada, nem onde é possível aparcar um carro discretamente o mais perto possível e que possa ficar a funcionar.
9. Recentes acontecimentos revelam que, afinal, nem todas as dependências bancárias têm fundos significativos para que valha a pena assaltá-las. Convém saber, portanto, se se trata de uma agência de câmbios especializada em dracmas da Samoa, dinares do Nepal, dólares do Mali ou swi-zxjy da Coreia do Norte. A troca de moedas estranhas revela-se sempre com grandes prejuízos para o cliente que, de boa fé, julga sempre valerem muito mais e afinal, fica invariavelmente prejudicado no câmbio. Agências para aconselhamento e simulação de crédito também raramente têm numerário efectivo. Convém saber.
10. Fazer a revisão ao carro que vai servir no assalto revela-se essencial. Muitos assaltos ficam comprometidos por uma simples limpeza de velas ou afinação de platinados que não se fez. O primo sem carta, portador de dezoito dioptrias e com espasmos nervosos também nunca será o condutor ideal para uma situação de emergência.
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Seguindo este simples conselhos temos a certeza que a margem de sucesso ficará acrescida.
Atentamente.
(Assinatura ilegível)
(Assinatura ilegível)
Nota (CMR): na imagem vê-se o cadastrado Chico Pi-Olhos, personagem de «Jeremias e o Incrível Coronel Reboredo», que pode ser lido [aqui] ou [aqui].
Etiquetas: PB
1 Comments:
Le devuelvo la visita. Me he reido un montón con todas las maneras de atracar... lo tendré en cuenta... Beijinhos, M.
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