16.8.08

Vou assaltar o Banco e volto já

Por Antunes Ferreira
«Vou num instantinho ali, assaltar o Banco, e volto já. Entretanto, quero uma bica cheia e escaldada, um copo com água fresca e um uísque com três pedras de gelo, em balão». O sujeito pôs óculos escuros Ray-Ban e certificou-se de que a Walther tinha o carregador atestado. Puxou a culatra atrás e, com a pistola destravada no bolso do casaco, saiu em direcção à dependência bancária.
O empregado do café nem pestanejou. Mas apercebeu-se de que no passeio em frente estava um outro fulano também com óculos fumados. Encostado em local proibido, frente à agência, havia um BMW com um fabiano ao volante, também oculado a tom castanho carregado. Cenário que lhe pareceu simples coincidência e não lhe quis dizer qualquer coisa. Foi-se a atender outros clientes ao balcão.
O mais chato foi que o freguês não voltou. Enfim, nada de grave. A bebida voltou para a garrafa, sem que a ASAE disso tivesse conhecimento. O café ficou-se pela gaveta redondinha da máquina, convenientemente calcada, felizmente que ainda não sujeita ao vapor cimbalístico. Quanto à água, que se lixasse. Na torneira era o que não faltava e o gelo ainda nem saíra do reservatório correspondente. Prejuízo – zero.
Depois, face ao estardalhaço que se levantara, ficou a saber que os três mânfios tinham basado com mais de cinquenta mil brasas, que o mesmo é dizer euros. Isto de acordo com o gerente – que se queixava de ser a terceira vez que tinha sido assaltado. Na mesa do fundo, o sôr Fagundes, reformado do Montepio, disse para quem o quis ouvir que, no seu tempo, «não havia destas modernices». O Freitas, desempregado profissional, assentiu com a cabeça.
Quiçá a pêjóta viesse a apanhar os gajos. Ele lembrou-se da doutora médica que no dia anterior contara à SIC a odisseia que vivera com refém. E dissera que eram necessárias medidas impedir tais atitudes criminosas. O povo não podia estar todos os dias sujeito a coisas dessas. Ela não sabia muito bem o que seria possível fazer – mas lá que era necessário, isso era.
Sendo assim, o Governo do Sócrates que resolvesse o imbróglio. Antes do mais, os tipos eram os culpados. De tudo e, no caso especial, dos assaltos aos bancos. O pessoal andava cheio de cagaço, a insegurança era o trivial, até se falava já em milícias para devolver às pessoas a tranquilidade e o sossego do espírito.
Dissessem o que dissessem, no tempo da outra senhora, havia decência, havia maneiras, havia respeito, havia ordem. Nos dias que corriam agora, o despautério era total, ninguém sabia a lei que existia – se é que existia – a vida era uma complicação. Democracia e Liberdade. Qual quê? Demagogia e libertinagem, era o que era.
O sôr Fagundes inclinava-se para o Freitas. «A crise. A crise é que paga as favas. Nós estávamos tão bem sem revoluções nem mudanças e hoje é o que se vê. O que é que você acha»? E o militante do descanso com rendimento mínimo: «O preço do pitrólio não é para aqui chamado. Cá para mim, temos de ter mais polícias, dos do antigamente, com cassetetes e tudo, esta malta gosta de levar porrada e só assim entra nos eixos»!
Ora bem: um chui a guardar cada cidadão. O ideal. E, além do mais, resolvia-se o problema do desemprego no País. Fosse outro que não o Sócrates e o caso mudava de figura. Olarila.
NOTA (CMR): v. outras crónicas do mesmo autor no seu blogue Travessa do Ferreira. O boneco foi feito para ilustrar duas crónicas de «Salvador, o Consultor», escritas para a revista «Valor», e que podem ser lidas [aqui].

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4 Comments:

Blogger Margarida Serôdio Martins said...

Como sempre, muito bem escrito.
Vê-se logo que é gozo. Mas, gozando ou não, esta é uma crítica tremenda. Ridendo castigat mores, diziam os romanos. E o Antunes Ferreira sabe da poda.
Cada vez gosto mais deste blog. Parabens!

16 de agosto de 2008 às 13:33  
Blogger blog do dudu santos said...

Parabéns pelo blog, obrigado pela visita ao meu. Já fiz uma exposição em Lisboa, Galeria Moira, adoro Portugal, meu pai é de Peniche, meu padastro, o poeta Paulo Bomfim também frequenta muito esta boa terra , deve lançar um livro este ano em Madrid e Lisboa chamado "Navegantes".
obrigado ,um grande abraço

16 de agosto de 2008 às 19:14  
Blogger Márcia Reboredo Du Maria said...

Antunes

Está excelente! Portanto, venho parabenizá-lo. Daqui de Santa Catarina. Escreve mais

16 de agosto de 2008 às 23:29  
Blogger Manuel Silva said...

Com coisas sérias não se brinca, malandro!

17 de agosto de 2008 às 23:54  

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