Vou assaltar o Banco e volto já
«Vou num instantinho ali, assaltar o Banco, e volto já. Entretanto, quero uma bica cheia e escaldada, um copo com água fresca e um uísque com três pedras de gelo, em balão». O sujeito pôs óculos escuros Ray-Ban e certificou-se de que a Walther tinha o carregador atestado. Puxou a culatra atrás e, com a pistola destravada no bolso do casaco, saiu em direcção à dependência bancária.
O empregado do café nem pestanejou. Mas apercebeu-se de que no passeio em frente estava um outro fulano também com óculos fumados. Encostado em local proibido, frente à agência, havia um BMW com um fabiano ao volante, também oculado a tom castanho carregado. Cenário que lhe pareceu simples coincidência e não lhe quis dizer qualquer coisa. Foi-se a atender outros clientes ao balcão.
O mais chato foi que o freguês não voltou. Enfim, nada de grave. A bebida voltou para a garrafa, sem que a ASAE disso tivesse conhecimento. O café ficou-se pela gaveta redondinha da máquina, convenientemente calcada, felizmente que ainda não sujeita ao vapor cimbalístico. Quanto à água, que se lixasse. Na torneira era o que não faltava e o gelo ainda nem saíra do reservatório correspondente. Prejuízo – zero.
Depois, face ao estardalhaço que se levantara, ficou a saber que os três mânfios tinham basado com mais de cinquenta mil brasas, que o mesmo é dizer euros. Isto de acordo com o gerente – que se queixava de ser a terceira vez que tinha sido assaltado. Na mesa do fundo, o sôr Fagundes, reformado do Montepio, disse para quem o quis ouvir que, no seu tempo, «não havia destas modernices». O Freitas, desempregado profissional, assentiu com a cabeça.
Quiçá a pêjóta viesse a apanhar os gajos. Ele lembrou-se da doutora médica que no dia anterior contara à SIC a odisseia que vivera com refém. E dissera que eram necessárias medidas impedir tais atitudes criminosas. O povo não podia estar todos os dias sujeito a coisas dessas. Ela não sabia muito bem o que seria possível fazer – mas lá que era necessário, isso era.
Sendo assim, o Governo do Sócrates que resolvesse o imbróglio. Antes do mais, os tipos eram os culpados. De tudo e, no caso especial, dos assaltos aos bancos. O pessoal andava cheio de cagaço, a insegurança era o trivial, até se falava já em milícias para devolver às pessoas a tranquilidade e o sossego do espírito.
Dissessem o que dissessem, no tempo da outra senhora, havia decência, havia maneiras, havia respeito, havia ordem. Nos dias que corriam agora, o despautério era total, ninguém sabia a lei que existia – se é que existia – a vida era uma complicação. Democracia e Liberdade. Qual quê? Demagogia e libertinagem, era o que era.
O sôr Fagundes inclinava-se para o Freitas. «A crise. A crise é que paga as favas. Nós estávamos tão bem sem revoluções nem mudanças e hoje é o que se vê. O que é que você acha»? E o militante do descanso com rendimento mínimo: «O preço do pitrólio não é para aqui chamado. Cá para mim, temos de ter mais polícias, dos do antigamente, com cassetetes e tudo, esta malta gosta de levar porrada e só assim entra nos eixos»!
Ora bem: um chui a guardar cada cidadão. O ideal. E, além do mais, resolvia-se o problema do desemprego no País. Fosse outro que não o Sócrates e o caso mudava de figura. Olarila.
NOTA (CMR): v. outras crónicas do mesmo autor no seu blogue Travessa do Ferreira. O boneco foi feito para ilustrar duas crónicas de «Salvador, o Consultor», escritas para a revista «Valor», e que podem ser lidas [aqui].
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4 Comments:
Como sempre, muito bem escrito.
Vê-se logo que é gozo. Mas, gozando ou não, esta é uma crítica tremenda. Ridendo castigat mores, diziam os romanos. E o Antunes Ferreira sabe da poda.
Cada vez gosto mais deste blog. Parabens!
Parabéns pelo blog, obrigado pela visita ao meu. Já fiz uma exposição em Lisboa, Galeria Moira, adoro Portugal, meu pai é de Peniche, meu padastro, o poeta Paulo Bomfim também frequenta muito esta boa terra , deve lançar um livro este ano em Madrid e Lisboa chamado "Navegantes".
obrigado ,um grande abraço
Antunes
Está excelente! Portanto, venho parabenizá-lo. Daqui de Santa Catarina. Escreve mais
Com coisas sérias não se brinca, malandro!
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