Memórias achadas
Por C. Barroco Esperança
QUANDO AGOSTO SE FAZ MÊS regressamos às origens para ver quem resta e abraçar os que estimamos.
Os corpos mudam com o tempo. Nos rostos esculpiram-se sulcos que lavram a pele e alteram os traços que nos caracterizaram. A memória devolve a saudade. Uns minutos bastam para acordar afectos, adormecidos durante décadas, que irrompem com fúria e perturbam a razão e a compostura.
Basta um olhar mais terno, um abraço mais estremecido ou um beijo que se alonga uma fracção de segundo, para agitar os sentidos, humedecer os olhos e acelerar as pulsações. O raio do tempo só hiberna os sentimentos, não sepulta afectos, que resistem décadas e mantêm prazos de validade que a conveniência e o decoro deviam ter sepultado.
A vida é uma arma carregada que nos segue com o cano apontado. Tropeçamos em memórias e logo uma descarga nos atinge para voltarmos ao passado, a sangrar por dentro e com fracturas expostas.
O diabo do sono altera-se enquanto as lágrimas nos marejam os olhos. Que insegurança é essa que nos conduz pelo lado proibido da estrada, em sentido contrário?
É apenas um pesadelo de Verão com que o Outono da vida nos sufocou numa derradeira viagem à Primavera? Não tarda que as folhas caiam e, com elas, desfeitas em pranto, as recordações que nos apoquentam. Há um solstício à espera dos equinócios que restam.
NOTA: outras crónicas do mesmo autor - no blogue Ponte Europa
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