«Deixa molhar o teu irmão, rapaz!»
ESTA EXPRESSÃO foi muito usada em nossa casa, era eu ainda criança. Dita pelo pai, ouvímo-la sempre que um dos filhos arreliava outro, desfazendo e contrariando-o em qualquer propósito futuro em que este manifestasse empenho. Nestas ocasiões o pai apenas dizia aquela frase, cujo significado estava ligado a uma história que todos conhecíamos, passada no seio de uma família cigana que, como outras, tinha acampamento num campo aberto ali para os lados do Alto de S. Bento, perto do local onde estão hoje as piscinas municipais de Évora.
Vivendo com grandes dificuldades, fruto de carências múltiplas, a filharada do Vicente almejava por algo mais do que aquelas frugalidades com que iam enganando a barriga. Preso por uma corda, tinham ali um borreguito a pastar, à espera da Páscoa. Foi nesta expectativa que, um dia ainda frio de Março, aconchegado ao borralho e agarrado a uma grossa fatia de pão seco, um dos ciganitos desabafou:
– Ali a mãe do Sebastião fez sopas da panela. Matou uma galinha... – ao que o pai acudiu, para o consolar:
– Deixa lá. Já falta pouco para a Páscoa. Fazemos um grande ensopado e é comer até fartar.
– Com muito molho para eu molhar muitas sopas – entusiasmou-se a criança, ao que, um dos irmãos, para o arreliar, contrapôs de imediato.
- Não molhas, nada!
- Molho, sim!
- Não molhas, não!
- Ó pai, ele não me deixa molhar!
- Deixa molhar o teu irmão, rapaz! – intervinha, por fim, o Vicente, pondo termo ao conflito.
– Deixa lá. Já falta pouco para a Páscoa. Fazemos um grande ensopado e é comer até fartar.
– Com muito molho para eu molhar muitas sopas – entusiasmou-se a criança, ao que, um dos irmãos, para o arreliar, contrapôs de imediato.
- Não molhas, nada!
- Molho, sim!
- Não molhas, não!
- Ó pai, ele não me deixa molhar!
- Deixa molhar o teu irmão, rapaz! – intervinha, por fim, o Vicente, pondo termo ao conflito.
.Muitas vezes também usada por mim, durante a criação dos filhos, esta frase foi perdendo oportunidade à medida que eles se fizeram adultos. No entanto, é frequente evocá-la sempre que uma qualquer situação a vai buscar ao sótão das recordações.
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NOTA (CMR): em geral, o blogue Sopas de Pedra, do Prof. Galopim de Carvalho, é actualizado às 2ªs e 5ªs-feiras, e dessas duas crónicas semanais há uma que é escolhida para ser afixada, também, aqui no Sorumbático - às 2ªs. Hoje, o Sopas de Pedra foi actualizado com a crónica «À semelhança de uma cereja»; porém, para o Sorumbático escolheu-se estoutra, apesar de já ter algum tempo.
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NOTA (CMR): em geral, o blogue Sopas de Pedra, do Prof. Galopim de Carvalho, é actualizado às 2ªs e 5ªs-feiras, e dessas duas crónicas semanais há uma que é escolhida para ser afixada, também, aqui no Sorumbático - às 2ªs. Hoje, o Sopas de Pedra foi actualizado com a crónica «À semelhança de uma cereja»; porém, para o Sorumbático escolheu-se estoutra, apesar de já ter algum tempo.
Etiquetas: GC
1 Comments:
Belos tempos, em que a criminalidade destes nómadas era ao nível do pilha-galinhas!
Quando chegavam às terras, era um vê-se-te-avias com as capoeiras...
Às vezes, lá vendiam um burro velho como se fosse novo; intrujavam um incauto com cortes de fazenda (que só tinham fazenda por fora), e nada de muito mais grave.
Hoje em dia, com a comercialização da droga e das armas, esse "romantismo" (chamemos-lhe assim...) passou à História.
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