Os manos
OS OSSOS QUASE ROMPIAM a pele do velho. Deitado, sem mover a cabeça, fixava o tecto horas a fio, ou fechava os olhos encovados nas crateras das maçãs do rosto, convertidas em picos alpinos pela excessiva magreza.
Quando o irmão entrou no quarto, o velho, estendido na cama, disse:
- Mano, vou morrer!
Na antecâmara, que servira de quarto de vestir, um montão de velhas cochichava todo o santo dia, sempre lestas a acorrer aos gritos irados do moribundo ou a deixarem-se dormitar agora e depois, num aparente concurso de cabeçadas. Havia instantes em que o silêncio era absoluto.
O velho tinha oitenta e nove anos e parecia ainda mais magro porque lhe tinham tirado a dentadura postiça. O irmão tinha oitenta e quatro anos e ainda caminhava direito por aquela casa onde ambos haviam nascido e brincado, no início do século.
- Mano, vou morrer!
Quem pensa que os velhos querem morrer, a partir de uma certa idade, engana-se. Nem todos. Este, por exemplo, mostrava um evidente receio da morte.
(...)
Texto integral [aqui]
NOTA: esta e as «Histórias...» anteriores estão também em Histórias de Chorar por Mais
Etiquetas: JL
2 Comments:
Isto é, morreu feliz!
Felizes morriam os Papas.
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