Jorna
Por João Paulo Guerra
Uma vez por outra, os jornais abalam a sonolência portuguesa publicando notícias com ilustrações brutais de acidentes de viação em que portugueses perdem a vida nas estradas de Espanha.
SÃO QUASE SEMPRE HOMENS, viajando em grupo, amontoados em carrinhas fechadas que circulam a alta velocidade de noite e pela madrugada. De vez em quando, uma dessas carretas lá se espatifa contra um camião, ou desaba por uma ribanceira, arrastando vidas humanas. Na quinta-feira passada foram mais seis vidas de uma só vez. Este ano já morreram 18 em circunstâncias semelhantes. Nos últimos cinco foram 44.
Em geral, os leitores ficam porém sem saber que faziam aqueles homens, no local e à hora errada e em que circunstâncias viajavam entre Portugal e Espanha. Seriam excursionistas, novos peregrinos, aficionados a caminho ou de regresso de uma corrida de toiros? Nada disso. São quase sempre trabalhadores submetidos à mais aviltante das relações laborais, os contratados das novas praças de jorna que arregimentam a mão-de-obra mais precária e desprotegida do mercado do trabalho.
As velhas praças de jorna não foram uma criação literária do neo-realismo. Existiram nos anos 30 e 40 do século passado, em pleno fascismo, às portas de Lisboa, no Ribatejo e Alentejo e pensar-se-ia que a evolução social da Humanidade e até mesmo do país tivesse acabado com tal aviltamento. Mas não. Há novas praças de jorna, com essa ou outra designação, e com tanta pobreza e desemprego é pegar ou largar.
Estes homens, que viajam como gado e morrem como tordos, só chegam às páginas dos jornais cobertos por um lençol na berma de estrada. Toda a gente sabe que existe essa modalidade de arrebanhar e transportar mão-de-obra. Mas a classe política e os pregadores situacionistas têm coisas mais nobres com que se preocuparem.
«DE» de 10 de Novembro de 2008Etiquetas: autor convidado, JPG
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